10 mil km de perseverança

Tenho andado ausente, já fazia tempo que queria escrever, mas por algum motivo o mundo tem maneiras irónicas de testar a nossa perseverança e bem-estar…

Admito que com o trabalho e com o acumular de uma fraca e péssima alimentação, horas de sono por dormir e também tanta cerveja como de jogos de futebol, a minha mente estagnou num ponto em que já não consegue nem pensar claramente…

Ou por isso, ou pela ausência da família…

De todo o muito que possa já ter escrito sobre como é estar em Pequim, como é Pequim e a China, falta então expor-me um pouco mais pessoalmente e partilhar como realmente é difícil uma pessoa estar completa…

Porquê?... Porque estamos a 10 mil km de distância da família…

Lembram-se daqueles momentos, em crianças, quando a nossa mãe soprava na sopa para não nos queimarmos? Aqueles momentos em que cansados e cheios de sono, o nosso pai nos pegava ao colo e adormecíamos enquanto ele nos carregava até casa?... Lembram-se daqueles momentos em que doentes e com febre, estávamos na caminha aconchegados pela mãe e pelo pai, e nos colocavam a mão na testa para ver se tínhamos febre, mas de certa forma essa mão na testa acabava sempre por acalmar o corpo? Ou nos levavam o leitinho com mel, bem quentinho?

À medida que vamos crescendo estas coisas vão sendo diferentes, mas as pequenas coisas continuam…

Não importa quanto maduros ou independentes somos, o papá e a mamã estão sempre ali…

Mas aqui, ficamos rabugentos e sem paciência, porque estamos longe dos nossos… Não! Desculpem-me o mal-entendido, longe estão aqueles que vivem noutros países da Europa, ou aqueles que foram ver o Mundial à Rússia (queixam-se que a Rússia é longe…)

Estamos a 10 mil km … tanto quanto a profundidade do oceano conhecida pelo homem…

O Titanic encontra-se mais perto da superfície do que nós da família, e este é impossível de trazer à deriva… agora imaginem como nos sentimos nós…

Como é estarmos a 10 mil km de distância da família?

É ter o papá e a mamã longe como tudo…. É sabermos que se quisermos ir matar saudades temos pelo menos 12 horas de viagem, agora que temos voos diretos, caso contrário somos capazes de passar um fim de semana inteiro entre aviões e aeroportos…

Como é estarmos a 10 mil km de distância?...

É mesmo isso… é estarmos a 10 mil km de distância… é saber que estamos em lados opostos do mundo, é saber que o epicentro da Terra está no meio de nós, é saber que se aqui é dia, lá é noite… Saber que já não temos quem nos aconchegue na cama se adoecermos, sabermos que nem um abraço podemos dar se eles adoecem… Saber que nem a mão na nossa testa podemos sentir, mas apenas ficar com o calor que nos trazem essas recordações…

Somos realmente uma pequena bolha de oxigénio no fundo de um oceano, em que estamos tão, tão longe que nem a luz do sol conseguimos ver, nem avistar o pequeno barco a vela onde se encontra a nossa família…

Estamos no fundo de um oceano conhecido a 10 mil km numa pequena bolha, onde falta o ar, mas ainda assim conseguimos respirar o suficiente…

E é assim que o mundo testa a nossa perseverança e força de vontade…

E é assim que a 10 mil km de distância somos testados…

 

Ana Carmo

Pequim


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