Manuel Igreja

Manuel Igreja

Admirável e Desassossegador Mundo Novo

Quando era assim mais para o novo, na fase em que um homem pensa que é eterno e que o céu é o limite, qualquer coisa que aparecesse de novo, qualquer mudança em frente, logo me parecia bem.

Pelo menos na teoria era um verdadeiro vanguardista. Na prática não seria bem assim, mas isso são contas de outro rosário. Situo-me aí pelos meados da década de setenta e princípio da de oitenta, tempos bem inovadores.

Hoje em dia, considero-me ainda pessoa de mente aberta ao mundo e às suas coisas, mas dou por mim por vezes, a não concordar com muitas modernices e a sentir alguma apreensão acerca do rumo que seguimos em termos de sociedade global num planeta pequeno e em perigo.

Não sei bem. Mas parece-me amiudadamente que o ser humano deu a passada maior que o pé. Vai inventando coisas que o tornam poderoso, muito à beira do sem limite, mas fica-se reduzido na essência do que o distingue. O sentimento, a solidariedade e a noção da verdadeira dimensão da sua pequenez.

Inventamos instrumentos de tecnologia que nos permitem estabelecer contactos a toda a hora com todos e a todo o momento, mas não comunicamos devidamente, não enxergamos nem um palmo à frente do nariz, pouco sabemos de nós e muito menos dos outros. Somos ilhas interligadas por circuitos integrados que nos desintegram. A noção de pertença esbateu-se, a identidade plastificou-se e uniformou-se e o virtual ganhou terreno ao real.

Numa pequena parcela do tempo do devir evolutivo, num ápice, num quarto de hora no tempo histórico, os seres humanos viraram pequenos deuses sem que antes tenham aprendido a ser homens. Podemos muito bem pensar que estamos por estes dias que correm a assistir ao germinar de um mundo novo.

Poderá ser admirável como alguém quase há cem anos o definiu, mas a ver vamos. Ufanamente vemos demonstrações de inventos de estarrecer por parte dos saltimbancos da era moderna, mas envolve-nos a apreensão. Não exibem mulheres barbudas, cobras com duas cabeças, ou gigantes de dois metros, mas apresentam-nos máquinas que até falam.

A gente não se benze com a mão esquerda porque sabe que não é obra do mafarrico chifrudo, mas desassossega-se. O nosso terreno está a ser invadido, por algo que ainda dominamos, mas que podemos não vir a dominar. Sabemos que a ganância de uns poucos, facilmente tolda a noção de que o mais importante são as pessoas.

Esperemos que os que mandam e decidem, não percam o discernimento de saber que qualquer maquineta por mais evoluída que seja jamais poderá sonhar porque não anseia e não deseja. Por isso serve para ajudar, mas nunca para reinar. O Poder sobre as coisas de todos emana dos laços que nos interligam e nos fazem caminhar desde que descemos das árvores.
Foi sonhando e acreditando que a humanidade avançou. Só nos resta continuar para que o mundo continue a ser uma bola colorida nas mãos de uma criança, e não um ponto frio onde os humanos estão sem oportunidades e sem lugar.

Devemos ir frente valorizando o que está para trás. É isso, e se assim for que venham as passarolas dos tempos modernos que a Santa Inquisição já se foi.


Partilhar:

+ Crónicas