Alguém vendeu o amor

O Dia dos Namorados é um assunto que não domino. Devo confidenciar que cada texto que escrevo tem sempre uma música associada (não gosto de escrever a ‘seco’), e para este escolhi Donovan e a brilhante Season Of The Witch. Vamos partir do princípio que não há coincidências, e já lá vamos.

O Dia dos Namorados é, para o batalhão do amor e das pieguices, a data mais importante a seguir ao Natal. E a mais próxima, se nos esquecermos que o ano muda entretanto. Toda a gente sabe que para os enamorados o tempo passa de maneira diferente. Por isso, escolhido o presente de Natal, essa tarefa árdua, logo em Janeiro é altura de começar a pensar no que raio se vai fazer para assinalar o São Valentim. Que, mais vou adianto, não entendo a posição caladita da Igreja Católica neste ponto, porque toda a gente sabe que o mais banal deste dia é incluir depois do bitoque (que em tudo é igual a outro bife mal passado qualquer com a diferença de que nesse dia custa 70 euros) é uma ia a um motel com camas redondas e colchões de água. Cheira-me, ligeiramente, a profano aqui. Não me vou alongar mais.

Como já vos disse, depois do Natal nada de mais transcendente acontece do que o Dia dos Namorados. Por isso, há sensivelmente um mês que me andam a entrar corações pelos olhos adentro, a ponto de já ver tudo avermelhado. Ou é dos corações, ou é alergia às asas do Cúpido, com aquelas plumas de ar artificial.

Ele é promoções, programas emocionantes, viagens baratuchas… Uma coisa que nunca entendi é qual é o interesse de ir, por exemplo, jantar fora nesse dia. Partilhar um espaço com mais 30 casais a arrulhar? O amor, que se quer genuíno e diferente, cai ali num cliché. Ficam todos, ainda que sem querer, presos numa película de domingo à tarde, com as moças todas arranjadinhas, e os moços a suar do bigode porque bem sabem que a noite pode nem correr bem, mas vai sair cara.

O mais elaborado que vi nestes estratégias de marketing do “não amas o suficiente se não levares o teu amor ao sítio mais caro da cidade e que eu digo que é o mais in”, foi usarem infamemente o The Guardian e o The Independent. Algo como “isto foi citado num artigo fixe e sem nada a ver com o Dia dos Namorados, mas olha que boa sugestão! Pensa nisso, pá”.

Ok, eu percebo. É para fazer dinheiro não é? É para dar um motivo às pessoas que estão fartas da relação chata que têm para a terminar, porque não tiveram prendas nem jantares com velas de aroma a morango? É a desculpa para ir a um motel? O que vem, afinal, a ser disto, do Dia dos Namorados, que dura mais de um mês e se esfuma numas horas?

Seja como for, a partir do momento em que se escolhe as vésperas da data do amor para a estreia de um filme que, supostamente, devia retractar o mundo do sadomaso, acho que entramos num campo minado, onde vale tudo por uma falsa inovação.

Tenho-vos a dizer, que, com os sem bruxedos, alguém vendou o amor a uma daquelas cadeias internacionais. O amor deixou de estar enquadrado no comércio de bairro. De mercearia passou a ser um centro comercial.

E, se o Dia dos Namorados é símbolo do plástico dos nossos dias, que se lixe esse dia!


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