E se o Amor tirasse férias?

“Vinte e dois dias úteis! Vinte e dois, ouviu bem?”

Foi o que o Amor disse, antes de bater com a porta da entidade patronal.

Mas, que despautério trabalhar em permanência, sem direito a folgas, a feriados, a férias nas Caraíbas, ou por lá perto, em Cuba, a afogar o cansaço em tequila! O Amor chegou a um limite. Não dava mais.

Os restantes funcionário da empresa, a Vida, assistiam, boquiabertos, a todo o acontecido, não sendo capazes de articular uma palavra. Silêncio absoluto enquanto o Amor caminhava pelo corredor central, a deitar lume pelas narinas. Nada de som de teclas, impressoras, recados cruzados. Até os telefones, que tocam desenfreadamente naquele espaço, ficaram mudos para presenciar o momento em que o Amor se foi embora.

Verdade! Levou debaixo do braço o vaso com a orquídea que tinha na secretária e tudo. E as fotografias do cão e meia dúzia de clipes, que lhe podiam vir a dar jeito, pensou ele.

O Amor já andava a ruminar o assunto há muito tempo. Todos os dias a amar, a amar, a amar. De forma incondicional, superficial, insuficiente ou em boa medida, tudo o que faz parte do core business. Obviamente, uma carreira de extrema exigência e complexidade. Nem mesmo quando a Amizade, a Raiva ou a Decepção se metiam ao barulho lhe era permitido deixar de amar.

Já imaginaram? Viver assim, constantemente cheio de obrigações, sem horas certas para refeições e com poucas horas de sono? É aborrecido, estar sempre no mesmo ram-ram. Cansa-se o Amor, e cansam-se os clientes, de estar constantemente a chover no molhado.

O Amor não se fartou de amar, entenda-se. Gosta, genuinamente, daquilo que faz. E não há ninguém que o faça melhor. Está é cansado da mesma rotina: amar de manhã, à tarde e à noitinha, amar muito, amar para sempre.

Às vezes, diz o Amor para com os seus botões, bastar-lhe-iam umas horas sem ter que amar, para logo sentir a falta da azáfama de virar do avesso corações. É que, comentam, o Amor é calmo e apaziguador. Só que não. Olhem que não! É mentira. O Amor tem a força para mudar um oceano de lugar, e de colocar no buraco deixado pela água o Evereste, se quiser. E não é com calmarias que isto se consegue.

Por outro lado, o Amor andava a aguentar, a engolir em seco, porque tinha medo de deixar de ser preciso. De parar, e de nesse entretanto vir alguém mais jovem, com ideias em estrangeiro. É que, convenhamos, estamos no século XXI e o Amor é um clássico, apesar de se reinventar a cada minuto. Julga-se um excelente profissional, mas… sabe-se lá, não é? E isto de empregos não anda nada bom.

O Amor saiu disparado. Exasperado, gritou ao CEO “Vinte e dois dias!”.

E foi de férias.

Tenham calma. Ele volta. Volta sempre, e redobrado. Para já, deixem-no descansar debaixo de um sombrero.

 


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