Alexandre Parafita

Alexandre Parafita

Em louvor da Imprensa Regional

Iniciei a profissão de jornalista na verdura da década de 80 do século passado. Tempos inesquecíveis. De lavrador de terras, condição que trago no ADN, tornei-me então lavrador de palavras, livre como o vento, apenas manietado pelo aprumo dos velhos “linguados”. E pelos rigores da ética, pois claro. Em Trás-os-Montes, meu berço e meu regaço, percorri todos os recantos na busca das melhores histórias. Umas vezes tristes, dramáticas; outras alegres, vitoriosas. Histórias que se impunha converter em reportagens vivas e proativas. E assim fui desbravando léguas e léguas de silêncios como quem rasga a textura densa de uma floresta virgem. Eram tempos em que o jornalismo tinha sempre o encanto da novidade, e, sobretudo, o romantismo das causas solidárias. Tempos em que levar a “carta a Garcia” era, antes que tudo, assinar um contrato com o desconhecido, com o imprevisível. Tempos em que o jornalismo em Trás-os-Montes era, ele mesmo, a novidade. A notícia.

Partilhei esses momentos com autênticos e generosos “cabouqueiros” da imprensa regional e companheiros da grande imprensa descentralizada: César Sampaio, José Pires de Moura (da Foto Márius), Orlando Inocentes, Mesquita Guimarães (mestre Guimarães), Zé Macário (pai e filho), Sílvio Teixeira, Barroso da Fonte, Bento da Cruz, Inocêncio Pereira, João Sampaio, Figueiredo Sarmento, JBCésar (o “Jim” para os amigos), João Luís Teixeira (antes de “subir” a presidente da câmara de Murça), Coronel Xico Costa (jornalista quase até aos 100), Chico Rocha, Pe. Cardoso, Armando Miro, Agostinho Chaves, Fernando Calado, César Urbino, Guedes de Almeida, Fernando Subtil, Rogério Reis, Fernandes Pinto, Jaime Ferraz Gabão na Régua, o professor Júlio Coelho em Lamego, Barros Rodrigues em Chaves, Carlos Morgado em Vila Pouca de Aguiar e tantos outros.

Eram então uma espécie de cavaleiros andantes das causas solidárias. Estavam em todas. Aliás, isso mesmo é o que está no cerne da Imprensa Regional. Os jornais são uma espécie de tribunais de papel que procuram dar voz a quem não tem voz. Quando o conturbado período que sucedeu ao 25 de Abril de 1974 for sujeito a uma análise sociológica rigorosa relativamente ao desempenho da Comunicação Social, uma análise que só a distância temporal permitirá de forma desapaixonada, poderá então avaliar-se esta “vocação genética” da Imprensa Regional e o poder inquebrantável que teve em mãos. Sendo esse um período em que a generalidade dos meios de Comunicação Social de âmbito nacional foi tomada de assalto pelo poder emergente da revolução, que passou a sustentá-la economicamente e a sujeitá-la a vínculos políticos incontornáveis, houve, de facto, uma pequena franja da imprensa em Portugal que se impôs pela sua irreverência, pelos laços vigorosos que mantinha com o povo das Regiões, com o país real, pelo que resultou vencedora a sua odisseia. Era a Imprensa Regional. E merece ser recordado como no seu seio depressa se instalou um enorme desencanto que tomou sinais de revolta em relação ao famoso regime do PREC, o qual foi liminarmente rejeitado pela grande maioria da Imprensa Regional. Assistiu-se no chamado “Verão quente” de 75, a uma poderosa campanha nos diversos pontos do país com vista a impedir a nacionalização da Rádio Renascença, uma campanha que resultou positivamente e teve, na primeira linha, a presença de uma influente, esclarecida e bem referenciada Imprensa Regional.

É certo que vivemos numa época em que a comunicação instantânea e globalizada ganha um vigor galopante, parecendo por vezes um paradoxo falar-se no ressurgimento de um regionalismo informativo. Há que ter, no entanto, a perceção de que a globalização, ao criar a consciência planetária, se, por um lado, comprime a dimensão do âmbito comunicacional ao aproximar nações e pessoas, por outro, terá de esbater a rigidez do centralismo dos estados, com a emergência da diversidade das comunidades locais e regionais. Por isso, numa sociedade massificada, caracterizada pela dimensão mundial dos acontecimentos, impõe-se a necessidade de fazer emergir uma corrente revitalizadora do peculiar, do genuíno, do local ou regional, e com ela despontar uma massa crítica, que possa ajudar a impor um dos direitos mais profundos: o direito à diferença, o direito à diversidade.

Atente-se, contudo, que o despontar desta massa crítica, permitindo a afirmação de uma vontade esclarecida que ajude as populações a optar, quando se trate de causas que a ela respeitam, só é possível com uma imprensa regional forte, culta e coerente. De pouco valerá insistir que a Região vale por ser a reserva cultural e histórica de um povo, se dentro dela não surgirem impulsos que projetem a sua personalidade específica, a sua pujança própria. Daí, pois, o contributo fundamental da Imprensa Regional.

 


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