Façam o que quiserem, mas optem pelo bem

Este ano, não vou falar do Natal. Sintam-se agraciados com os meus votos de tudo-de-bom-muita-saúde-e-paz, claro, mas sem exageros. Até porque já é Natal desde Outubro, e então andamos aqui a remoer o mesmo assunto, alterando uma nuance aqui ou além, quando, no fundo, sabemos que é mais do mesmo.

Também não vou falar do Ano Novo. Não porque seja cedo, como nos mostram as arrastadas comemorações da quadra. Não falo somente porque não quero. Façam as vossas promessas (que não vão cumprir), façam os vossos pedidos (que não se vão realizar, se não fizerem por isso), tenham cuidado para não engolirem passas a mais, e, bom, façam como eu, afoguem as mágoas do ano corrente numa (ou mais) taça de champanhe, da docinha.

Podia falar de outros flagelos de Outuno/Inverno, que não da época festiva. Como por exemplo, e lembra-me a minha afilhada, as meias-calças. Já o nome por si é ridículo. Não falo dos collants de vidro e mousse, mas sim das de malha. Apesar de, em ambos os casos, não serem nem meias, nem calças. É algo que enfiamos por ali acima, e que tem pano, sempre (benza-as Deus), para nos chegar ao cimo da barriga. São quentinhas. Não são práticas. Principalmente no caso da minha afilhada, e miúdas em geral, que precisam de saltitar e correr. Porque há aquela tendência para que as meias-calças vão escorrendo pela perna e se aglomerem junto ao tornozelo, fazendo o efeito-donut. Meias-calças a sobrar tanto em baixo, quer dizer que faltam em cima, quero dizer, junto à cinta e em toda aquela região, já anda tudo à banda. As camisolas interiores (visão do inferno) saltaram, e ficam a ver-se. Bem, resumindo, uma tragédia grega, que nos custa toda a dignidade pessoal a remendar.

Contudo, e embora isto que referi me chateie, não é do que vos quero falar. O que mais me vem a incomodar é mesmo a maneira como nos tratamos. Ou melhor, muitas vezes, é mesmo a falta de tratamento entre seres humanos.

Há um filme, recente, de 2015, escrito e protagonizado pelo brilhante Fábio Porchat, que, na minha leitura da história, traduz uma premissa que teimamos em não ver, apesar de a sabermos. Se conhecêssemos fulano de tal numa outra circunstância social, ou se a nossa própria circunstância social fosse diferente, será que o iriamos ver da mesma maneira? Iriamos tratá-lo da mesma maneira? Dar a mesma atenção (ou falta de)? Entre o desprezo e o interesse, o desapego e a mordomia, estão pequenas distâncias, que se percorrem através de escolhas feitas quase que num instinto.

Não aprofundando mais o desenrolar do filme, que, a propósito, se chama “Entre Abelhas”, e que aconselho a que vejam e tirem as vossas conclusões, tenho-me debatido interiormente com estas questões. Por que é que tendemos a desvalorizar quem consideramos que não está no nosso “círculo” e desdenhamos de imediato de quem, sem grande ou nenhum conhecimento de causa, achamos que “não se enquadra” no nosso padrão? Uma selecção empírica. Uma veia empática. Uma ruga a formar-se no sobrolho, de descontentamento. E o que seria necessário acontecer, entre o catastrófico e o onírico, para que mudássemos a nossa postura perante determinada pessoa? Será que já olharam para alguém e disseram “hum, definitivamente, não”, para depois perceberem que era esse alguém era, na verdade, um chorrilho de “sins”?

Tenho uma amiga socióloga que, por certo, tem imensas explicações para isto, daquelas que fazem sentido. Como sempre, para justificar o que vos escrevo, vou invocar a minha imagem de marca, de sentimentalona.

Podem continuar a festejar o Natal durante três meses, podem atirar-se em falsos pactos com o Ano Novo, podem continuar a usar meias-calças. Mas, apelo, deixem de olhar para as pessoas com rótulos, com dificuldade, com rapidez.

Certamente, vão ficar surpreendidos.


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