Chrys Chrystello

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Fernando Sylvan, uma biografia por José Bárbara Branco

Conheci finalmente o médico José Bárbara Branco em março 2018 quando o convidei a ir apresentar o livro em epígrafe no 9º colóquio da lusofonia em Belmonte. Em comum havia o facto de termos estado em Timor, Bobonaro, com alguns anos de intervalo e de ao fim de tantas décadas continuarmos agarrados a essa droga sem cura que é o nosso amor indefetível por essas terras. Aproveitei para convidar o nosso Comandante de Setor de Bobonaro e do Esquadrão de Cavalaria 5 e mais gente ligada a Timor (no meu tempo o major Gouveia Falcão, hoje coronel na reserva).

 Moderei a sessão na qual foi apresentado também o livro infantojuvenil trilingue de Ramos Horta “O mundo perdido de Timor-Leste” e fiquei com imensa vontade de ler a história de Fernando Sylvan, um dos mais célebres autores timorenses, um mestiço aceite no Estado Novo e com uma vastíssima e variada obra literária. Um homem que durante duas décadas (1975-1993) presidiu à reputada Sociedade da Língua Portuguesa (SLP) hoje extinta e a que pertenci desde 1996.

Fernando Sylvan, de seu nome Abílio Leopoldo Mota Ferreira, sai muito jovem de Timor em 1923 após a morte da mãe, barlaqueada com o pai, funcionário da administração colonial e vai viver com a mulher legítima do pai e suas duas meias-irmãs… nunca regressaria a Timor embora tivesse viajado por meio mundo, do Brasil a  Moçambique foi defensor do lusotropicalismo de Gilberto Freyre, defensor do Estado Novo, opositor do mesmo e candidato à Assembleia Nacional, monárquico, virou à esquerda com o 25 de abril , membro do Partido Socialista com uma vastíssima obra  de temáticas variadas e – por vezes – controversas.

Desde os avós paternos de Fernando Sylvan à sua morte, leva-nos o autor Bárbara Branco ao longo de 200 páginas a episódios vários da sua vida bem ilustrativos da sua sede de enriquecimento cultural, ao reconhecimento do seu valor como mestiço timorense, de cor, sem doutoramento nem licenciatura, numa sociedade como era a sociedade portuguesa da época.

E eu que pensava saber quase tudo sobre Timor tive a oportunidade de aprender imenso sobre este homem que teve uma vida rica de experiências sem nunca abdicar da sua matriz original timorense, da memória dos pais. Um livro que nos dá a conhecer o escritor, nos lembra como eram as sociedades em Timor e em Portugal no decurso da sua vida, nos conta tantos episódios uns de verdadeira lusofonia, outros de portugalidade que preencheram a variedade de ocupações e empregos a que se dedicou, a par da escrita que nunca abandonou, em temas que vão da agricultura à educação nas províncias ultramarinas, sem nunca descurar a sua verdadeira arte poética.

 

Com uma edição (Crocodilo Azul 2017) cuidada e profusamente ilustrada com reprodução de documentos, de livros, de fotografias, este é um livro que se aconselha a ler devagarosamente (eu devorei-o com avidez sequiosa de quem anda no deserto) para se entender este multifacetado escritor que deveria ser mais lembrado e homenageado. Talvez não seja por se tratar de um escritor que nunca foi politicamente correto e nunca se ter coibido de mudar de ideias à medida que os seus conhecimentos se expandiam e a sua sede de autodidata o levava a novas descobertas. Obrigado José Bárbara Branco por este excecional trabalho de pesquisa, investigação e compilação demorada e cuidada que bem valeu a pena esperar para conhecer o autor e a sua obra.

Chrys Chrystello, Jornalista [MEEA/AJA (Australian Journalists' Association - Membro Honorário Vitalício nº 2977131, 1983-2018) carteira profissional AU3804]

 


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