Manuel Igreja

Manuel Igreja

O Homem Que Morde o Cão

No admirável mundo novo que se desenha por cima do nosso futuro, nas empresas haverá somente dois funcionários: um homem e um cão. O homem para dar de comer ao cão, e o cão para impedir que o homem mexa na maquinaria.

Isto dizia há dias um inteligente maníaco das novas tecnologias, daqueles em que as emoções são substituídas pelos bites e pelos bites. Tê-lo-ia dito com um brilhozinho nos olhos, caso de sua alma brotasse chama suficiente para chegar à vista, mas não acredito que se vislumbre lampejo por razão de sentimento em olhos que pouco enxergam para lá do palmo do nariz, já que o resto é unicamente virtual.   

Sobre o tal admirável mundo novo também eu diria que o será, caso já não começasse a não o ser. Dá-se o caso que os homens mercê da ciência que desenvolveram começaram a ser pequenos deuses antes de aprenderem a ser homens. Dominam tudo e mais alguma coisa, assuntos de estrondosa e impensável complexidade, estão prestes a realizar milagres, mas milénios depois de desceram das árvores, sendo cada vez menos macacos são cada vez mais hienas, como se sabe a única espécie animal que mata por prazer.

Pela primeira vez malgrado a sua sabedoria a caminho de infinda, algo surge de desaconselhável e impensável no devir de parte considerável da humanidade. Os pais vão deixar aos filhos e netos um mundo pior do que o que herdaram das gerações precedentes só porque o muito que se acrescenta se distribui por muito poucos. O impossível concretizou-se pelas piores razões e quem se deve importar não liga. O mundo ocidental pega fogo que nem restolho no estio, mas os guardiões assobiam e olham para o lado manietados que estão por interesses que se cruzam.

Os cidadãos inseguros sentem que lhes roubaram a decência enquanto forma de vida. Não reagem, parecem conformar-se, mas com medo na hora de exercerem a sua soberania num pequeno quadrado de papel, iludem-se e dão poder a perigosos vendedores de ilusões. Malabaristas da palavra e sabedores dos sinuosos circuitos mentais dos que anseiam mas cada vez têm menos do essencial, manipulam, dizem o que sabem ser desejado ouvir-se, e silenciosamente tomam as rédeas do cavalo das emoções coletivas causa de opções historicamente perigosas.             

O mundo está sem tino numa época em que este cada vez mais é necessário. No entanto o sizo não se vislumbra nesta escalada sem rede, neste ir desabridamente para lado nenhum em roda livre. É pena, pois não é obrigatório que seja assim a construção dos dias de amanhã. A obra mais não está a ser do que as desconstrução da edificação de ontem. A vida dos que agora começam para nem dizer dos que estão a meio ou para cima deste, tem todas as possibilidades para ser admirável graças às potencialidades das novas tecnologias, mas pouco pode vir a ter digno de aplauso.  

Fossem os resultados colocados um pouco mais irmãmente ao serviço de todos, e logo se alcançaria um pouco mais de justiça e essencialmente de tranquilidade. Infelizmente há inteligência para tudo, menos para colocar em prática tão singela recomendação. No Ocidente os boçais estão a chegar ao mando pela nobre via da democracia. Os hunos calcorreiam os trilhos que levam aos palácios do poder e estão prestes a alcança-lo. Nem sequer têm de esforçar muito. Basta-lhe alimentar a insegurança deflagrando as bandeiras da intolerância que se alimenta de futuros roubados.              

Qualquer homem em suas circunstâncias é capaz de tudo. Por isso não valem a pena grandes procuras em busca da explicação para os contornos do mapa político que sem vem imprimindo bem perto de nós. Contrariamente ao que num repente se pode pensar pouco tem a ver com ignorância pura e dura da mão que empurra o voto, o motivo do seu desenhar em moldes que põem demónios à solta nos campos e nas cidades ocidentais.

No estado a que isto chegou, pode até suceder que ao vermos um tal de Trump na América com a sua cabeleira feita de barbas de milho russo dizer aos chineses que não mandam nele, por instantes e num repente pensarmos que é gente como ele que pode evitar que o homem tenha de morder o cão para lhe roubar a comida que lhe falta. Até dá para uma pessoa se benzer com a mão esquerda para espantar o mafarrico, é o que é. Cruzes canhoto.         


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