Manuel Igreja

Manuel Igreja

O Pior Cego...

Esta história que assim vos conto não aconteceu há muitos, muitos anos, e não foi lá muito, muito longe. Está ainda a suceder hoje em dia, muito perto de mim e de si, e ambos estamos dentro dela. Somos personagens de uma peça que parece de loucos, restando-se esperar que ao cair do pano ainda haja ânimo para alguns aplausos.

Andava o século passado, o vigésimo depois de Cristo pela sua oitava década, mais moderno que nunca e até justo como nunca tinha havido pelo menos no pedaço da cena que nos respeita, quando os senhores que mandam resolveram encaminhar as coisas para novos modos de estar no que respeita às humanas actividades.

Graças às potencialidades desenvolvidas conseguiu-se tornar a planeta mais pequeno no sentido em que se tornou o longe perto e o desconhecido virou conhecido. Vai daí, se bem se pensou logo se fez. Num ápice o largo mundo virou uma aldeia global num quotidiano de hossanas à globalização que permite muitos negócios e mesmo vidas melhores que antes eram do pior.

No entanto, a História foi seguindo e muitas coisas foram mudando. Nuns lados para melhor porque até aí eram péssimas, noutros para pior porque até aí pelo menos eram remediadas para muitos e ótimas para alguns bem menos. Mas eram dignas que baste num bom renovar de gerações.

Sucede que como o capital não tem pátria, desviaram o seu fluxo para ir ramificar em alguns lados onde não existem regras nem de bom senso nem de justiça social, terrenos áridos para a democracia e para a cultura algo de todo imprescindível para o verdadeiro desenvolvimento. A porca começou então a torcer o rabo na história e o tempo começou a andar para trás.

Nada tardou o desequilíbrio concorrencial nas economias globais. Numas as condições de laboração são próximas da escravidão em ambiente de miséria, noutras são equilibradas ao ponto de proporcionarem a mais avançada civilização que se atingiu desde sempre. O problema é que estas não permitem preços próprios para quem quer e tem de vender em comparação com os outros.

Consultados que foram alguns oráculos sabedores das teorias, mas desconhecedores do que se aprende com os acontecimentos de tempos idos, a solução foi facilmente encontrada e recomendada. Puxar para pior quem está melhor, e causar inquietação em quem antes acreditava no futuro. Cercearam-se sonhos e roubou-se a decência, algo que só faz falta a quem os teve.

Segue a história em simultâneo num admirável mundo novo, em que as máquinas substituem o homem nos trabalhos a realizar. Fazem muito mais por menos, acrescentam lucros, mas impensável e ao arrepio do tino, permitem que um punhado enriqueça sem medida ao mesmo tempo que milhões ficam mais e mais pobres, mais e mais descontentes e inseguros.

Nesta história que ora se narra, o céu começa a estar um negrume em tempestade que se anuncia. Por todo o lado surgem ilusionistas e malabaristas cuspindo fogo e anunciando curas milagrosas com mezinhas feitas de ódio e de intolerância. Ansiosa, temerosa, e egoísta como só o é quem não sabe o norte, a multidão aplaude e adere.

Enquanto isso, os cientistas sociais, os donos dos cabedais e outros que tais, esforçam-se com supostos afincos para descortinarem a causa das coisas, como se ela não estivesse bem ali escrita em loisas. Falta saber se não vêm porque são cegos ou porque não querem ver.

Findo isto com o dito de outras histórias de eras de há muito tempo num reino bem perto: O pior cego…


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