Chrys Chrystello

Chrys Chrystello

Portugal brule t'il déjá?

Na impotência deste país, destes fogos (postos ou não) destas mortes inúteis sinto aquilo que sempre sinto neste país (Portugal) impotência perante tanta irresponsabilidade. Claro que mais uma comissão de inquérito será nomeada para ver as suas conclusões arquivadas e posteriormente se ouvirem os ministros e secretários de estado dizerem que está tudo a postos para o combate de incêndios que todos os santos anos (desde há 43) devastam o país para gáudio e lucro das empresas de celulose e quejandos. Madeira ardida é papel barato, mesmo que seja à custa de mais de meia centena de vidas.

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A versão oficial definitiva: o fogo de Pedrógão Grande/Figueiró dos Vinhos/Ferreira do Zêzere começou com um raio que caiu numa árvore em Escalos Fundeiros, Pedrógão Grande, em consequência de uma trovoada seca: sempre a culpa divina, esse deus é do camandro...tem umas costas largas..

 

Mas não se preocupem os portugueses, e menos ainda os familiares das vítimas, existem leis capazes em Portugal, aliás, das melhores leis no mundo sobre o tema. Existem normas e coimas para quem não mantém uma área de segurança de 50 metros em volta das suas casas no meio do mato.

 

 Apenas por mera omissão não lhes é dito que a maior parte dos terrenos que ardem são do Estado que não cumpre essas mesmas normas de limpeza de matas, que não disponibiliza vigilantes da natureza para substituírem os antigos guardas florestais que sem meios eletrónicos nem de comunicação lá iam desempenhando as suas funções (e quem quer ser vigilante da natureza e viver com condições mínimas isolado no meio do mato?).

 

Também por mera omissão não lhes dizem que a maior parte dos donos dessas casas sem os 50 metros de proteção são idosos, (alguns mesmo muito idosos) incapazes de se movimentarem eficazmente, incapazes de terem 50 euros por hora para alugarem uma máquina de desbaste de mata, incapazes de por si mesmos fazerem eles o trabalho, sem dinheiro para os medicamentos de que carecem, sem dinheiro para pagar o táxi ao centro de saúde para tratarem da saúde de que carecem, abandonados por filhos e netos e deixados à sua sorte em aldeias desertas e desertificadas, donde se retiraram todos os serviços, desde a venda, ao mero café de aldeia ao multibanco, à escola, à própria junta de freguesia amalgamada com outra em aldeias limítrofes.

 

Por mera omissão não se mencionam as leis que permitem que se continue selvaticamente a permitir o plantio de eucaliptos e outras espécies altamente inflamáveis e totalmente desajustadas à orografia do terreno, mas adaptadas aos interesses de madeireiros e dos que lucram com os incêndios.

 

Por omissão ninguém falou dos incendiários (perfil típico 20 aos 35 anos, alcoólico, desempregado, com poucos estudos e com gosto de se sentir Nero e ver os fogos que ateia com total impunidade, esteja ou não previamente condenado e em liberdade condicional).

 

Por omissão ninguém se lembrou que em vez dos milhões gastos todos os anos (em aviões e helicópteros que estão inoperáveis por falta de peças, de manutenção, de dinheiro para as reparações) se deviam contratar engenheiros agrícolas, os chamados engenheiros florestais, (os que verdadeiramente percebem da poda) para fazer uma eficaz manutenção de solos, um reordenamento territorial agrícola usando árvores bombeiras, como o castanheiro, que retardam os fogos e não servem de combustível como os eucaliptos e semelhantes.

 

Depois ninguém se lembrou de dizer que há 43 anos se segue a política errónea de gastar milhões no combate aos fogos em helicópteros (inoperacionais por falta de peças, de manutenção, de dinheiro para as reparações), em aviões dispendiosos e com muitas limitações em vez de se investir na prevenção, que deveria começar pela restauração do serviço de guardas florestais (vigilantes da natureza), pela definição de uma política de reordenamento territorial. Menos leis “perfeitinhas” que ninguém cumpre e para nada servem (mesmo quando bem-intencionadas) e mais meios preventivos, com uma nova política das corporações de bombeiros dotadas de meios próprios, pessoal profissional, bem treinado e pago, em vez dos impreparados voluntários que de boa vontade dão a vida por nada.

 

Escreve Manuel de Carvalho no Público 18 de Junho de 2017, 10:54:

Como foi possível que uma população, corpos de bombeiros, forças policiais ou responsáveis políticos habituados a lidar com a devastação dos incêndios florestais não pudessem prever o que aconteceu? Como foi possível que se tenham deixado aldeias remotas sem evacuação? E por que não foi suspenso o trânsito em vias de risco? Por que razão não houve socorro de outras corporações de bombeiros? Ainda que justas, imperiosas ou evidentes, todas estas perguntas passam ao lado da questão essencial. As alterações climáticas que produziram um dia como o de sábado em meados de junho ameaçam destruir a floresta portuguesa. E perante a iminência de um cataclismo desta dimensão, o país tem de ir muito para lá das perguntas de contexto ou da justa expressão das dores do momento: precisa de uma energia, de uma determinação e de um conjunto de meios para debelar o problema que parece estar para lá das nossas capacidades atuais. 

 

 

Cito um especialista: (Jorrnal Público ALEXANDRA CAMPOS 18 de junho de 2017

A pergunta que todos fazem agora é: teria sido possível evitar esta tragédia? Paulo Fernandes, engenheiro florestal e professor no Departamento de Ciências Florestais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, acredita que pelo menos teria sido possível minimizar a sua dimensão. Desde logo porque era possível antecipar que existia um potencial de fatores combinados, como a temperatura elevada, ventos muito fortes e, sobretudo, a instabilidade atmosférica (trovoadas e raios), que já estava prevista há dias, explica. “Uma mistura fatal”, sintetiza. “Temos de estar preparados. Em Portugal, não há pessoas especializadas em meteorologia de incêndios, há académicos, mas não há operacionais”, diz, notando que qualquer país com este potencial adverso tem de ter pessoas a trabalhar nestas áreas “a tempo inteiro”.

Todo o sistema de prevenção e combate a incêndios precisa, aliás, de ser reformado, defende. “Esta originalidade portuguesa de ter fases alfa charlie não faz sentido hoje. Um sistema moderno não pode estar dependente do calendário, tem de ter flexibilidade para responder sempre que necessário, até por causa das alterações climáticas.”

A própria conceção do sistema, “pulverizado por várias forças com pouca massa crítica, torna tudo mais difícil”, acrescenta, lembrando que temos “um sistema muito focado no combate”, em que 90% do investimento é para esta área.

Mas Paulo Fernandes também acentua que se lembrou dos incêndios ocorridos em 2009 na Austrália, “um dos países mais avançados na prevenção e combate e até na preparação das pessoas” para lidarem com este tipo de situações. Nesse ano, morreram na Austrália cerca de 170 pessoas, “quase todas quando tentavam fugir”. Mas a frente das chamas chegou a ser de 200 quilómetros e as projeções (de materiais, como cascas) chegaram a 30 quilómetros, nota.

Agora, o que pede é que se retirem ilações desta tragédia. “Acho inconcebível que responsáveis do Governo e até o Presidente da República comecem logo a declarar à queima-roupa que tudo correu muito bem”, porque isto, acredita, contribui para “a desresponsabilização”.

 

Depois lembrem-se de cada héli privado de combate a fogos, custa ao Estado 1500 euros por hora a que acresce IVA, quanto mais tempo durarem os incêndios e quanto mais incêndios houver mais estes privados lucram. O Estado retirou da competência das Forças Armadas, em finais de 1980, o combate aos fogos para os entregar aos privados…Estávamos na altura do boom das PPPs [parcerias público-privadas]. O ambiente era propício. O regresso da Força Aérea ao combate aos incêndios tem gerado controvérsia dentro do Governo. Enquanto a ministra da Administração Interna invoca a falta de capacidade deste ramo das Forças Armadas, o ministro da Defesa considera «inevitável» que a Força Aérea adquira os meios em falta para voltar ao ativo.

 

E termino dizendo, preparem-se que isto é apenas o começo de uma nova era de situações atmosféricas  atípicas, temperaturas extremas (no verão fogos e no inverno inundações) num país onde se cimentaram ribeiras, onde se plantaram árvores não-autóctones altamente inflamáveis, onde se desviaram cursos de água, onde se não faz adequada manutenção de solos, onde se não limpam matas, e onde haverá sempre situações climatéricas extremas como estas…e não adianta culpar as divindades, ou a natureza, ou a anormalidade. Podemos minimizar ou atrasar os seus efeitos, mas não a podemos controlar em absoluto. A natureza é quem tem sempre a última palavra.

Crónica 170 17-18 junho 2017


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