Manuel Igreja

Manuel Igreja

Sem Perdão dos Mais Novos

Aquilo que estamos a permitir que façam aos nossos mais novos, não tem perdão. Não o merecemos. Depois de lhes termos proporcionado um modo de vida que foi nada menos do que o mais evoluído e mais mais justo de sempre, desde que descemos das árvores, preparamo-nos para lhes deixar um mundo pior. Ao arrepio de tudo, coisa nunca vista, o tempo vai andar para trás. A pobreza remediada surge como algo inevitável.

Os rapazes e as raparigas de hoje em dia, muitos deles criados com o convencimento de que as verduras nascem nas prateleiras dos hipermercados, ou que o dinheiro é como as couves, em que se corta uma folha e logo nasce outra, estão a chegar ao ponto da vida em que lhes compete voar, mas afinal concluem que as asas que lhe deram são frágeis. Como as de Ícaro descolam ao primeiro impacto.
Até há pouco tempo servimos-lhes uma visão do mundo em que tudo parecia fácil. O menino ou a menina queriam o que lhes entrava pelos olhos adentro, e de imediato o tinham. Elevou-se-lhes o nível das necessidades básicas a um ponto nunca visto, como se por debaixo o suporte das coisas fosse efectivo e sustentável. E eles habituaram-se sem apelo nem agravo. Nada de mais natural. Outras realidades contadas não passavam e nem passam de coisa com contornos indefinidos e de outras eras.
Agora, batem na parede. Querem dar passos em frente rumo ao seu futuro, mas quer o deles, quer o nosso, já não é o que era. Alterou-se. Surge inseguro, difuso e intranquilo. Pretendem ir em direcção à luz dos sonhos que nos faz avançar e nos comanda a vida, mas não conseguem dar passada. Na espuma dos dias, grilhetas firmes nas oportunidades que não surgem, impedem-lhes a liberdade de tocar a vida num viver que se arrasta sem vislumbre que dê confiança.
Dizem-nos que é por mor da crise, mas não podemos permitir que nos tomem por lorpas. A geração mais qualificada de sempre, pelo menos em termos teóricos e académicos, está condenada, ao que nos dizem, a ser vender sabedoria e muita força de trabalho por pouco dinheiro. Míseros ordenados que nem chegam para a renda da casa. Quer dizer, até podem dar, mas depois resta-lhe o ar e o vento como alimento e aconchego.

Aterram-nos e manietam-nos com a desculpa da falta de recursos e vamos na cantiga como se esta fosse de embalar. Os jovens que conseguem emprego trabalham a troco de muito pouco, mas sentem-se privilegiados num mundo de poucas saídas. A vida está-lhes embrulhada, os seus anseios estão adiados. O modo de vida como o da geração agora grisalha, não lhes passa de uma miragem. Quotidianos equilibrados, casar, ter filhos, é-lhes uma aventura ou desejo esquecido.

É complicado para eles agora e logo mais, mas acima de tudo é algo de extremamente grave para o mundo que hoje se desenha. A renovação geracional está absolutamente comprometida por este andar. No entanto, por falta de visão ou por excesso de interesses imediatos, os timoneiros da nau em que navegamos nada fazem para contrariar um efeito que vai hipotecar o futuro de todos. O barco não sabe o porto de destino, logo nenhum vento lhe está favorável.
As velas são-lhe assopradas com os ares vindos do desmando tocados pela desinteligência e da falta de senso. Ninguém pelo menos ao que parece, grita alto e bom som que as coisas não podem, não devem, e não têm de ser assim. O mundo ocidental não é obrigado a ir para o patamar mais abaixo em que estão outros mundos. Estes é que devem vir para junto de nós. Todo o ser humano sonha ter o melhor para si e para os seus.

Nós tivemos e temos ainda coisas boas. Trabalhamos para elas. Críamos riqueza contrariamente ao que nos dizem e acusam. O que lhe fizeram e fazem os que lhe conseguem deitar as manápulas bem o sabemos. Basta um relance de em redor, para vermos e regabofe, e para termos a noção de que umas trinta pessoas detêm metade da riqueza mundial.

O resto, é conversa para boi dormir, para que a gente aceite um mundo novo em quase tudo igual ao de antigamente. Aristocracia agora fundeada no dinheiro, uns poucos muito ricos, e milhões de pobres sujeitos a migalhas nos manjares dos marqueses, que enguedelham entre si na busca de oportunidades efémeras é o mundo que se prepara.

Como legado é muito pouco ou nada. Por isso não temos perdão.


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