Manuel Igreja

Manuel Igreja

Uma Região Que Conta Pouco. Apesar de Tudo.

Duzentos milhões de euros, mais coisa menos coisa, dizem uns que é quanto valem as cerca de trinta e cinco mil pipas de vinho que eram da Casa do Douro antiga, e que porque serviram de aval à dívida estão penhorados pelo Estado, ou seja, a modos de dizer, passaram a ser propriedade de todos nós portugueses.

Não valem tanto, dizem outros por convicção ou por interesse direto, pois nisto de uma coisa que se tem ter este ou aquele valor é muito relativo e está mais directamente condicionado pelo preço que impõe quem compra, do que pelo valor intrínseco do objecto em si mesmo. Está nos livros.

Seja como for e tenham o valor que tenham, os milhares de pipas de vinho generoso, um verdadeiro tesouro constituído por néctares ímpares, orgulho e alma de qualquer região que se preze, que não da nossa que não se preza, não se respeita e nem se dá ao respeito, o tesouro, ia eu a dizer, está para aí ao deus dará em armazéns que não tarda virarão palheiros velhos mais próprios para guardar feno ou palhuço.

Ainda muito recentemente notícias davam conta que já se não podem contar pelos dedos das mãos que são doze, como vossemecês sabem, os assaltos aos ditos com o fim de se surripiarem uns garrafões de vinho para depois se venderem na candonga. Pilha galinhas se calhar não sabedores do valor do produto, sem pejo, com desejo e sem vergonha, aproveitam o desleixo e abandono de quem jamais se deveria desleixar. A ocasião faz o ladrão.

Mas muito mais que a importância monetária dos vinhos que se desviaram, ou que se tentou desviar, é a maneira como se chegou a esta situação. Um processo que se arrastou por vinte anos sem que ninguém agarrasse nele a sério, levou ao fim da mais importante instituição duriense tratada como criada velha que se despede por não ter mais préstimo.

Apesar de ter sido a mais forte associação de classe num dos mais importantes setores económicos do país, enquanto tudo e todos celebram o Douro dizendo-se deles amantes por ser extasiante a sua beleza, a Casa da lavoura duriense foi maltratada e desbaratada, andando sem rei nem roque ao sabor de ninguém apesar de ser com o saber de todos os que tinham de saber do estado a que ia chegar. E nós deixámos.

Mesmo depois de lhe terem dado a machada final no cepo que a região colocou ao dispor, não houve o devido cuidado por parte do mais diretamente interessado no valioso património sob a forma de vinho que se pretende utilizar para ressarcimento da dívida garantida pelo stock se as coisas forem bem-feitas.

Refiro-me obviamente ao Estado centralizado em Lisboa, que nem sequer foi capaz de arranjar quem a sério e com os meios devidos, esteja no Douro a gerir a liquidação da dívida, um assunto que é actualmente mais do interesse dos governos da Nação do que da região.

Pelo que conheço, não faltará a boa vontade e o esforço a quem está metido nessa camisa de sete varas, mas é pouco. Infelizmente tudo isto que parece fado, é a prova concreta de que a região do Douro, como sempre conta pouco apesar de tudo o que é e representa desde há quase trezentos anos. O resto são cantigas.


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