O diretor do Centro de Arte Contemporânea Graça Morais (CACGM), a pedido do Diário de Trás-os-Montes, esquadrinhou o baú das memórias para, em retrospetiva, recordar uma década de existência de uma casa que faz da arte residência e que se tem distinguido de outras no contexto cultural pela notoriedade que tem trazido à região desde que recebe as exposições de alguns dos maiores artistas nacionais e internacionais da atualidade.

 

Bruno Mateus Filena (BMF): Uma década de Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, uma década de obras, artistas e exposições. Uma década de esforço, dedicação e empenho, enquanto diretor de um dos maiores polos culturais do Nordeste Transmontano, no sentido de banhar a Capital do Nordeste e todos os seus habitantes com arte nas suas variantes mais distintas, fazendo deste um povo mais rico em todos os sentidos. Em retrospetiva, como é que caraterizaria estes últimos 10 anos?  

Jorge da Costa (JdC): Vou fazer uma retrospetiva de 10 anos ou, pelo menos, vou tentar. Eu penso que o balanço é positivo, francamente, muito positivo, não só pela programação, pelas exposições que aqui passaram, mas, também, pelo número de visitantes, pelas atividades aqui realizadas, por tudo aquilo que se fez ao longo de 10 anos no Centro de Arte Contemporânea.

Recebemos, por exemplo, a coleção de Serralves, a Coleção da Gulbenkian, coleções públicas e privadas como a Coleção (António) Cachola, foram aqui realizadas exposições de artistas de muitas gerações e de várias nacionalidades. Recordo, ainda, o caso recente da artista israelita Dvora Morag que foi uma exposição produzida, ao longo de um mês, numa residência artística aqui no próprio Centro de Arte Contemporânea, que penso ter sido, também, um grande sucesso. Mas passaram por aqui artistas tão emblemáticos como Júlio Pomar, Paula Rego, artistas de uma geração mais jovem como Edgar Martins, Filipe Marques e, portanto, houve aqui, de facto, uma preocupação em mostrar um pouco desta diversidade de linguagens, de gerações, associadas à arte contemporânea.

O Centro de Arte Contemporânea Bragança foi, aliás, um dos primeiros museus fora dos grandes centros urbanos e, portanto, foi, na altura, uma grande novidade e eu penso que era importante, também, trazer a chamada descentralização da cultura, trazer o melhor. Aliás, foi essa preocupação implícita, desde o início, que norteou a nossa atuação, de trazer o melhor aos brigantinos, e foi isso que procurámos fazer ao longo destes dez anos.

 

BMF: O facto deste espaço dirigido por si ter sido o anfitrião de grandes artistas contemporâneos tem feito com que esta curva evolutiva, sempre em crescendo, engrandecesse, não só o estatuto do CACGM, mas também o próprio nome da cidade que o acolhe, Bragança.

JdC: O Centro começou, de facto, muito tranquilo e sem grandes meios, quer financeiros, quer de recursos humanos. Ao longo destes dez anos, foi traçando o seu percurso, o seu caminho a medo, o início a medo, mas a verdade é que, hoje, é um dos Centros de Arte muito procurados. Aliás, constatamos isso, não só pelos artistas, pela qualidade dos artistas que nos procuram, mas também pelas instituições parceiras como a Culturgest, Gulbenkian, Serralves, entre outras, o que comprova, também, que o Centro já conquistou o seu lugar no mapa dos Centros de Arte Contemporânea do país e isso é, para nós, um motivo de grande orgulho e alegria. 

 

BMF: Considera que o município brigantino tem dado um contributo importante e efetivo de apoio à arte e à cultura, ajudando a promover, assim, a própria região onde se insere a Capital do Nordeste?

JdC: Sim, evidentemente. Em relação ao Centro de Arte, o seu apoio tem sido fundamental. Até porque o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais é um equipamento da Câmara Municipal de Bragança. Portanto, se não fosse o apoio e o financiamento da Câmara Municipal este crescimento do Centro nunca seria possível. Penso que este Centro de Arte foi uma grande aposta do município, não só este polo cultural fronteiriço, mas, também, tudo o que tem vindo a acontecer em Bragança como o Centro de Fotografia Georges Dussaud, o Centro de Interpretação de Cultura Sefardita e o Museu Ibérico da Máscara e do Traje. Todos esses equipamentos têm, de facto, dado provas de que o papel que a cultura desempenha para o Município de Bragança é, sem dúvida, extremamente importante.

 

“…foi essa preocupação implícita, desde o início, que norteou a nossa atuação, de trazer o melhor aos brigantinos, e foi isso que procurámos fazer ao longo destes dez anos.”

 

BMF: Existe, notoriamente, uma estreita e palpável ligação com o executivo, na pessoa de Hernâni Dias, como existem, também, laços de afetividade visíveis entre si e a artista que empresta o nome a este centro. São, indubitavelmente, várias exposições, entre centenas de obras, e a minha pergunta vai no sentido de querer perceber se esta relação com Graça Morais foi desenvolvida ao longo desta última década ou se era algo que já existia antes de assumir o cargo de diretor do CACGM?

JdC: Essa relação já é anterior até porque, a minha dissertação de mestrado, que acabou por ser apresentada aqui foi, precisamente, sobre um estudo muito aprofundado da obra da pintora Graça Morais que, curiosamente, terminava com a abertura, em 2008, deste centro de arte contemporânea. Eu já conhecia muito bem a obra da artista e acabei por escolhê-la para a minha dissertação de mestrado.

A verdade é que esta relação com a pintora Graça Morais tem sido fundamental, acabando por ser, também, uma relação de muita cordialidade, de muita empatia. E, portanto, o trabalho que, frequentemente, não é muito fácil, pois trabalhamos, constantemente, com artistas vivos, tem funcionado muitíssimo bem, tem havido um trabalho de cooperação muitíssimo grande. Aliás, as exposições que têm sido apresentadas no CACGM, têm sido prova disso mesmo e Graça Morais não tem sido exceção. De facto, de sublinhar que esta relação com a artista funciona mesmo muito bem.

 

BMF: Pode-se falar mesmo de uma relação de amizade?

JdC: Sim, também. Mas, acima de tudo, a relação mais importante aqui, para o público, é a nossa relação profissional. E, ainda, que eu, por exemplo, tenha feito a curadoria da maior parte das exposições e tenho escrito muito sobre a obra de Graça Morais, a verdade é que a nossa relação é muito importante, muito feliz e eu espero que continue.

Esqueci-me de dizer que o Centro de Arte tem feito, também, exposições da obra da artista fora de Bragança e isso é tudo feito, sempre, em concordância com ela. O que prova, também, esta relação que a Graça Morais tem com o Centro de Arte Contemporânea e a importância que o Centro tem para ela.

 

BMF: Sempre que alberga a obra de um artista no CACGM, é uma constante os próprios ou os seus familiares, no caso de artistas não vivos, enaltecerem o seu trabalho na concretização da exposição, na colocação das próprias peças, na forma como lida com todos os envolvidos durante o processo. Esse empenho, esse rigor, essa dedicação, esse reconhecimento, são motivos de orgulho enquanto diretor de uma das maiores infraestruturas culturais da região transmontana?

JdC: Não me preocupa que eles enalteçam. Preocupa-me, essencialmente, que o trabalho que aqui desenvolvo seja do agrado dos artistas. O trabalho de curadoria é sempre um desafio enorme porque o artista coloca nas nossas mãos a sua obra. E é uma grande responsabilidade porque nós podemos ou fazer sobressair a sua arte ou destruí-la. E, portanto, este trabalho de curadoria, é muitíssimo importante. Há artistas que me dão total liberdade como foi o caso de Júlio Pomar. Esse foi um dos grandes desafios, enquanto curador, pois com uma obra absolutamente emblemática, coube-me a mim escolher as obras que quis e organizar a exposição da forma que quis     .

E o mesmo acontece em relação à escrita de textos. É uma grande responsabilidade escrever sobre artistas que têm, obviamente, toda uma carreira, por si só, absolutamente, expressiva. Sendo que o nosso objetivo passa sempre por agradar aos artistas porque, no fundo, ao confiarem em nós, colocam-se nas nossas mãos.

 

“…o Centro (CACGM) conquistou o seu lugar no mapa dos Centros de Arte Contemporânea do país e isso, é para nós, um motivo de grande orgulho e alegria."

 

BMF: A celebração de uma década de vida irá contar com a presença do Presidente da República. No entanto, esta não será a primeira visita de Marcelo Rebelo de Sousa ao CACGM?

JdC: Não, pois eu já havia feito uma visita guiada ao Sr. Presidente da República e, nesse sentido, já não será uma novidade para mim. Marcelo é um homem muito interessado pela arte, extremamente atento e inquisitivo. E, evidentemente, é sempre uma alegria recebê-lo aqui.

 

BMF: E aposto que um motivo de orgulho? Dado que estamos a falar da maior figura institucional do nosso país.

JdC: Sim! Claro que sim. E ele fez muita questão e isso que fique bem claro, ele fez mesmo muita questão de vir aqui celebrar connosco estes 10 anos o Centro de Arte Contemporânea.

 

BMF: Que artista ou artistas gostaria, ainda, de trazer a Bragança? Mais precisamente, ao Centro de Arte Contemporânea Graça Morais…

JdC: Bem, há muitos artistas… Já por cá passaram muitos e não falo só nas exposições individuais, mas também nas coletivas. A verdade é que isto são, apenas, dez anos e, ainda, temos muito para crescer. Confesso que são muitos os artistas que eu gostaria e, espero eu, conseguir trazer ao Centro de Arte Contemporânea. Artistas nacionais e internacionais. No entanto, há nomes, que gostaríamos de trazer aqui, mas que sabemos que não temos meios, nomeadamente, financeiros. Uma exposição, obviamente, tem custos inerentes, desde o transporte das obras, aos seguros, entre outros, e nem sempre esses custos são comportáveis. E, nesse sentido, existe aqui um jogo de cintura que nós procuramos fazer da melhor forma, na tentativa de trazermos a Bragança alguns dos melhores artistas da atualidade.

Sem querer desvendar, ainda, alguns dos nomes que virão ao Centro de Arte porque isso depois acaba por estragar as surpresas, posso revelar que, no futuro, teremos grandes artistas no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais.

 

BMF: O que é que o público transmontano, em geral, e a comunidade brigantina, em particular, poderá esperar durante os próximos meses e anos de um Centro de Arte que é já uma referência a nível nacional?

JdC: Para além das duas grandes exposições que serviram para comemorar uma década do Centro de Arte Contemporânea, das quais estou realmente muito orgulhoso, a verdade é que não nos limitámos só às exposições. Este aniversário, não se cingiu a um só dia, mas prolongou-se no tempo durante vários meses. Tivemos aqui, por exemplo, concertos, dança contemporânea, espetáculos, muitas conversas com artistas, atores e escritores. Disponibilizámos um serviço educativo, muito ativo, até porque a comunidade educativa foi, sempre, uma grande aposta nossa. E a comprová-lo, a passagem pelo Centro de Arte de milhares de alunos, desde o pré-escolar ao ensino superior. Vamos ter aqui, também, a apresentação de dois catálogos retrospetivos destes 10 anos do Centro de Arte Contemporânea e muitas outras iniciativas.

Em suma, fez-se aqui, realmente, muita coisa e eu espero que este centro continue esta senda de conquistas, pois tem, efetivamente, grande margem para crescer. Não esquecendo o projeto anunciado pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior que será, também, uma forte aposta do Centro de Arte Contemporânea, da Câmara Municipal e do Instituto Politécnico de Bragança.

Vêm aí grandes surpresas.

 

BMF: Na sua opinião, a cultura em Bragança está bem e recomenda-se?

JdC: Absolutamente! Eu não tenho dúvidas que Bragança é das cidades mais culturais deste país.

 

NOTA: ESTA TRANSCRIÇÃO FOI REALIZADA NO SEGUIMENTO DE UMA ENTREVISTA EM VÍDEO QUE TEVE LUGAR ANTES DA CELEBRAÇÃO OFICIAL DOS 10 ANOS DO CACGM.

 

GALERIA FOTOGRÁFICA EM: https://www.diariodetrasosmontes.com/fotogaleria/uma-decada-de-cacgm

 



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