Amanhã no Teatro Municipal de Bragança, numa sala já esgotada, Katia Guerreiro irá apresentar o seu último trabalho. “Até ao fim é um álbum de emoções. Emoções passadas, presentes e futuras. É o disco pelo qual a artista esperou, até garantir que o sentia no seu todo. Esperou, também, por todos, autores, compositores e músicos com quem queria fazer esta viagem e ao longo dos 12 temas que o compõem é este o Fado que se ouve… E que Katia quer partilhar com o público… Até ao Fim.”
Esta entrevista, publicada agora no Diário de Trás-os-Montes, aconteceu no final do último concerto de Katia Guerrerio em Bragança, aquando da apresentação do álbum “Nas asas do Fado”. Para recordar…

 

Factos

Nomeada: Katia Guerreiro
Nascida a: 23 de fevereiro de 1976
Naturalidade: África do Sul
Licenciatura: Médica Oftalmologista
Arte: Fado
Último álbum: Até ao fim (2014)

 

Entrevista

Diário de Trás-os-Montes (DTM): Licenciada em medicina, porquê o Fado?

Katia Guerreiro (KG): Na realidade, eu não tomei uma decisão. Mantenho-me como médica e a exercer. É verdade que o Fado ganhou um peso muito grande e muito maior do que eu esperava na minha vida. E claro que a minha dedicação ao Fado é hoje muito maior do que aquela que eu pensava que ia disponibilizar no início da minha carreira. Mas é tudo porque, na verdade, o Fado tem esta coisa especial de nos transformar. A mim transformou-me, fez-me coisas muito boas, fiquei a conhecer-me melhor e acho que, hoje, sou muito melhor pessoa do que era porque sou capaz de dar ainda mais do que dava antes. E depois de se ter esta experiência é muito difícil voltar atrás. 

 

DTM: Como é que descreveria a alma do Fado que canta e tantos encanta?

KG: O meu Fado é um bocadinho o espelho da minha alma e eu acho que não há nada melhor do que nós darmos a nossa alma aos outros. Se os outros conseguirem entendê-la, então aí ganhamos amigos para o resto da vida. 

 

DTM: Tendo já percorrido meio mundo, de todos os países onde actuou, qual foi aquele que mais a fascinou?

KG: É muito difícil eleger, mas eu devo confessar que o Japão me trouxe surpresas enormes. As tournées que fiz nesse país foram reveladoras de que nós somos, de facto, todos iguais por dentro, nas nossas emoções, nos nossos afectos. Temos é formas de nos expressarmos e de vivermos o presente muito distintas. O povo japonês tem uma maneira muito formal de estar no seu dia a dia e no seu relacionamento com os outros. Quando se fecham as portas de um espectáculo, são exactamente iguais a nós e choram e emocionam-se e querem muito estar perto do artista e nunca mais largam. Eu tenho fãs japoneses que me seguem desde sempre e é maravilhoso!

 

DTM: Curiosamente, a cultura oriental é uma distinta apreciadora do Fado. Como é que explica esse aproximar de culturas tão distantes por algo que é tão singularmente nosso?

KG: É a magia do Fado! É o não sei quê de sentimentos… O Fado provoca-nos um certo frenesim cá dentro. É engraçado porque esses povos não entendem a nossa língua. E aí é que está o mistério. A verdade é que o Fado é, de facto, a canção e a música por excelência das emoções. Não é possível a mentira no Fado. E, portanto, quando se está no fado com verdade, o público que nos ouve, mesmo que não perceba aquilo que nós estamos a dizer, sente-se tocado e pode, eventualmente, estar a criar as próprias histórias da sua vida. Eu vou partilhar aquela que é a minha experiência: tantas vezes, noutros países, no final dos concertos, as pessoas chegam ao pé de mim e dizem-me que não perceberam uma única palavra, mas que entenderam tudo aquilo que a música queria dizer.
Há uma verdade nas palavras e na nossa poesia e, também, uma intensidade na nossa música que consegue transmitir tudo aquilo que nós, realmente, sentimos por dentro.

 

“É o casamento entre a poesia e o fado que faz nascer o canto”

 

DTM: Sendo Portugal um país de poetas, quais são os seus escritores predilectos?

KG: É tão difícil eleger, mas tenho alguns, de facto. Tenho a Sophia de Mello Bryner, uma autora de excelência, da qual sou hiper fã e leio toda a sua poesia. A Florbela Espanca, sendo que é uma poetisa muito triste, mas, atenção, a tristeza consegue ser igualmente bela. Gosto muito de Pedro Homem de Melo e de David Mourão Ferreira. Mas, depois, há imensos poetas novos. Novos valores que estão a aparecer e que são reveladores de que a poesia não morre. Não é uma arte estanque, há muita coisa por dizer e por descobrir, ainda, no mundo das emoções.

 

DTM: Em 2010, completou uma década de carreira com o lançamento do álbum “Nas asas do Fado”. Foi para si o completar de um ciclo? 

KG: Comecei a fazer o balanço no final de 2009 e foi aí que percebi… Caramba! Já passou este tempo todo? Comecei, então, a fazer uma retrospectiva. E só decidi comemorar os 10 anos de carreira porque, de facto, tudo me foi oferecido. Foi a vida que me ofereceu tudo isto. Eu não fiz nada por ser artista. Foi o acaso que fez com que eu me cruzasse com o João Veiga. Foi o acaso que fez com que, um dia, o João Braga me telefonasse a convidar porque tinha ouvido dizer que eu cantava bem. Foi o acaso que fez com que eu me fosse deixando levar e agarrar todas as oportunidades bonitas que me estavam a ser oferecidas. E ao fim destes 10 anos, eu não estou a encerrar um ciclo, eu estou a viver esse ciclo intensamente e a fazer crescer e nascer coisas novas a partir daí, inspirada nisso tudo. 

 


DTM: Como é que vê, em Portugal, este estilo de música secular que está tão profundamente entranhado nos nossos costumes? Ainda existem grandes fadistas?

KG: Claro que sim! E ainda bem que temos. Porque repare: hoje estava a acontecer Fado aqui em Bragança, como pode estar a acontecer Fado na Coreia do Sul, nos Estados Unidos, na África do Sul, na Alemanha, Itália. É bom que sejamos muitos porque o mundo precisa de nós. 


 



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