Grande entrevista com o eleito hoje, em lista única, presidente da Federação de Bragança do Partido Socialista, Carlos Guerra. 

 

 

Diário de Trás-os-Montes (DTM): Foi o único candidato e é agora o recém-eleito presidente da Federação de Bragança do Partido Socialista (PS). Houve um consenso?

 

Carlos Guerra (CG): Penso que é um bom sinal de que o Partido Socialista pretende estar unido e, naturalmente, seguir para a frente. Até porque, agora, vem aí o período das eleições autárquicas e é uma boa altura para o PS se apresentar com um grau de unidade bastante elevado que, aliás, é uma das situações a que me proponho. Algumas feridas do tempo das primárias ainda se mantinham e é preciso acabar com isso para conseguirmos fazer passar a mensagem que pretendemos que a nossa solução é a solução que mais convém ao distrito.

 

 

DTM: A que feridas se refere?

 

CG: Quando foram as primárias, algumas feridas resultaram da definição do Secretário-Geral entre António Costa e António José Seguro. Aqui em Bragança, António Costa teve uma expressão muito grande com 72 por cento dos votos. Mas, de fato, ficaram algumas mazelas porque algumas pessoas não aceitavam muito bem o fato de ter havido as primárias, mas sabe que às vezes é tão difícil saber ganhar como saber perder. E, digamos, equilibramos as coisas dizendo que houve pessoas que não souberam perder e houve pessoas que não souberam ganhar. E é preciso acabar com isso!

 

 

DTM: Fale-nos na sua lista. Será composta por quem?

 

CG: A eleição de hoje, dia 4, foi para um cargo nominal. Isto é, fui apenas eu que concorri para presidente da Federação. Mas, depois, no dia 19 de março é que será eleita a Comissão Política Distrital e depois eu escolherei também o secretariado que pretendo que me acompanhe. Neste momento, gostaria apenas de referir, porque o resto é objeto de grandes negociações, a pessoa que eu convidei para ser o presidente da Comissão Política Distrital que é o engenheiro Fernando Barros, que é o presidente da Câmara Municipal de Vila Flor. É uma pessoa que tem tido sempre um comportamento pautado por uma grande isenção, objetividade e, sobretudo, é uma pessoa que me garante, pela sua capacidade de organização, também um ótimo suporte ao nível da Comissão Política. Agora, há uma coisa que é garantida. A representatividade de todos os concelhos será proporcional ao número de militantes ativos que existem em cada concelho e isso, para mim, é um ponto de honra.

 

 

DTM: Qual será o seu projeto político?

 

CG: Umas das questões que considero fundamentais no Partido Socialista e que me levou, no fundo, a encarar esta aventura, passa precisamente pela necessidade de unidade. Juntar forças e seguir para a frente. Outra questão que me interessa e que é extremamente importante é a renovação. O PS teve um sinal muito claro que há uma apetência para a renovação, para a entrada de novos militantes. Sobretudo, quando nós fizemos as primárias para a escolha do Secretário-Geral, verificámos que houve um número bastante significativo de pessoas que se inscreveram porque queriam, na qualidade de simpatizantes do partido, participar nesse ato. Ora, eu sei que há uma diferença estatutária entre militantes e simpatizantes, mas temos a expetativa que entre os nossos simpatizantes, há muito que poderão, com um bom projeto, passar a militantes.

 

E temos notado, também, sobretudo ao nível dos jovens, uma grande adesão à Juventude Socialista. Ainda no domingo, por exemplo, estive na tomada de posse da Comissão Política da Juventude Socialista em Vila Flor e fiquei extremamente entusiasmado com um grupo muito dinâmico e organizado de jovens socialistas de Vila Flor. Gente que me faz pensar que temos continuidade. Não é aquela Juventude Socialista só para transportar a bandeira, não, é uma juventude que participa nos debates e que está preocupada com o seu futuro e com o seu país e é isso que a nós nos interessa. Por isso, a renovação é fundamental.

 

E depois temos um projeto, que deve ser comum, a todas as estruturas do Partido Socialista, sobretudo, esse projeto que iremos apresentar aos cidadãos quando chegarem as eleições autárquicas. Entendemos que podemos propor aos transmontanos um ótimo projeto político para esta região e por uma razão, nós já vimos definindo aquilo que se pretende para a região desde o ano passado. Um dos compromissos que assumi é que haverá uma convenção anual para ouvir a opinião dos militantes e dos simpatizantes sobre o que é que é fundamental para a nossa região. A estratégia do Partido Socialista não será definida por um ou dois iluminados que entendem saber o que é preciso para esta região, não, será o que resultar de ouvir e de debater os problemas da região e, portanto, todos os anos teremos uma convenção distrital onde a nossa proposta para o desenvolvimento da região é aferida, é ponderada e é melhorada e essa é a nossa bíblia. É isso que nós queremos propor aos transmontanos, um conjunto de soluções que emanam dos transmontanos.

 

 

DTM: E essa convenção anual terá lugar quando?

 

CG: Em maio todos os anos. Esse é o meu compromisso! Sentimos que essa é a melhor forma de fazermos as pessoas participar e é por aí que vamos. Na primeira convenção, o ano passado, foi pedido às pessoas um contributo e, apesar de, infelizmente, elas ainda não estarem muito habituadas a participar nestes debates, tivemos 77 contributos. E, curiosamente, não houve uma única proposta que fosse irrealizável ou absurda. Colocaram questões extremamente bem ponderadas que me levaram a acreditar que, de fato, existe um manancial de reflexão e de debate dentro do Partido Socialista que me leva a encarar este desafio com muita tranquilidade e uma grande segurança.

 

 

DTM: Falou-me em unidade, em renovação, acredita realmente que os jovens são o futuro do Partido Socialista?

 

CG: Claramente! Eu conhecia a qualidade, não sabia era que havia tantos de tão boa qualidade e isso foi uma surpresa. Há, de fato, uma juventude socialista extremamente bem organizada que está a demonstrar que se preocupa em refletir e debater aquilo que é fundamental para a região e em participar naquilo que são as soluções para o nordeste transmontano. Há massa cinzenta! Isso quer dizer que há gente que reflete, que debate e há propostas muito interessantes, perfeitamente razoáveis e bem estruturadas, resultado de pessoas que estão habituadas a pensar naquilo que é importante para esta região.

 

 

DTM: Como é que analisa o atual estado de coisas no nordeste transmontano?

 

CG: Isto está mau! Atravessámos uma crise muito grande e quase tão mau como a crise que atravessámos foi a humilhação que, infelizmente, o Governo anterior através do cumprimento irrefletido muitas vezes e exagerado das ordens que vinham dos nossos credores humilharam os portugueses. E aqui na nossa região, particularmente, por exemplo, sabemos que a determinada altura havia pessoas que não podiam fazer os seus tratamentos oncológicos porque o Estado deixou de pagar. Enfim, há um conjunto de situações que nem vale a pena estarmos aqui a referi-las porque é demasiado penoso até para os portugueses lembrarem-se desses tempos. Houve um conjunto de situações que aqui tiveram repercussões muito grandes.

 

O anterior Governo e os partidos que o apoiam sempre trataram esta região como um território conquistado e veja-se que até chegaram ao ponto de enviarem aqui a antiga ministra das finanças a anunciar o encerramento das repartições de finanças, fecharam os tribunais da forma mais absurda. Tivemos um deputado que até queria tirar daqui o helicóptero ambulância e ainda por cima uma pessoa que teve a responsabilidade de ter sido o Secretário de Estado da Saúde. Quer dizer, nós não podemos ser tão submissos, não podemos pensar que somos aqueles transmontanos que gostam de dizer que mandam para cá do Marão e, depois, vem uma ordem do lado de lá do Marão e estamos aqui para bater palmas. Não!

 

Nós temos que estar de acordo com aquilo que é a realidade deste país, mas também temos de saber reagir perante a realidade deste país. Não vale a pena escondermo-nos atrás daquele fatalismo de que somos poucos. Nós não somos poucos. Há mais transmontanos a viver fora de Trás-os-Montes, mas não deixam de ser transmontanos. Aliás, se quiser ver um transmontano aguerrido é ver qualquer pessoa que esteja numa das Casas de Trás-os-Montes e a falar da sua terra. E, portanto, nós somos muitos e preocupados com a nossa terra.

 

Depois, há um outro dado que temos de refletir. As nações e os Estados não são constituídos apenas pela população. São constituídos pelo território e digamos que nós somos daqueles que precisam de muito espaço. Somos os zeladores de uma área muito significativa do território nacional. Não é legítimo que um Governo nos trate mal. O Governo anterior tratou-nos mal. Tratou-nos muito mal.

 

Aliás, é uma caraterística de muitos partidos. Eu recordo-me perfeitamente de quando foi a decisão da direção do PSD, um dos candidatos, Paulo Rangel, até propunha que se parasse imediatamente com as obras do IP2 e da A4. Portanto, este tipo de solidariedade que não existe quando temos estes governos de direita humilhou os transmontanos e humilhou os portugueses. E isso contribuiu para potenciar uma crise económica, uma crise social e até uma crise espiritual de toda a gente.

 

Aquilo que precisamos é gerar entusiasmo, acreditar que estamos a fazer diferente e que respeitamos os nossos compromissos porque esses, obviamente, devem ser sempre respeitados e sem perder de vista que estamos integrados num espaço, que é o espaço europeu. Mas, naturalmente, não temos que ser aqueles meninos muito bem comportados que gostam de ir para além da Troika.

 

Trás-os-Montes precisa de recuperar boa parte daquele orgulho de ser transmontano, de pertencer a uma terra que está na origem de Portugal e de ter uma identidade própria. Veja-se o que são hoje os portugueses, em termos de identidade cultural muito marcada, basicamente, temos os transmontanos e os alentejanos, os nossos irmãos de Trás-os-Montes planificado.

 

Temos de ultrapassar a crise porque não somos pessoas de baixar os braços. Agora, que está mau está e isto não se resolve só com festas. Isto resolve-se com a criação de postos de trabalho, atração de investimentos e com o estabelecimento de uma clara política de desenvolvimento regional.

 

 

DTM: Referiu que o PSD olhava para Trás-os-Montes como um território conquistado. Será isso, na sua opinião, que justifica que depois das medidas tomadas pelo anterior Governo, ainda haja políticos da anterior coligação recebidos com palmas sempre que vêm ao interior do país?

 

CG: Isso é relativamente fácil de perceber. Em todo lado, as pessoas são conservadoras. E, portanto, até por uma questão de lei do menor esforço, que é um princípio quase tão básico como o do instinto, as pessoas não gostam de trocar o certo pelo incerto. E aqui o incerto é uma mensagem que o PS tentou fazer passar e que não passou com a mesma intensidade que passou a mensagem daqueles que: estes já eu conheço.

 

Para todos os efeitos, deram-se passos francamente positivos, dado que o PS, não ganhando as eleições aqui no distrito, teve um resultado como há muitos anos não se via em termos percentuais.
Isto faz-me acreditar a mim e aos militantes do PS que nós temos é de fazer um esforço ainda maior para que a nossa mensagem seja recebida, processada e assumida pelos transmontanos. Por isso, entendo isso como uma postura conservadora. É aquilo que as pessoas conhecem, é aquilo que lhes dá segurança e muitas vezes as pessoas têm uma certa relutância em apostar no desconhecido. 

 

Mas nós teremos o cuidado de transmitir aos transmontanos quem somos, o que queremos, o que é que nós propomos e submetemo-nos à sua vontade, naturalmente, através do voto. 

 

 

DTM: Como é que tem seguido António Costa no Governo e como vê as medidas por ele tomadas?

 

CG: Eu fico muito feliz de participar e estar presente numa altura em que sinto que se vive um momento histórico em Portugal. É interessantíssimo porque mesmo dentro do Partido Socialista há muita gente que sentiu com uma certa insegurança este acordo à esquerda e mesmo que não resulte totalmente, há uma coisa que já resultou. É que nunca mais nada vai a ser como antes! E uma das questões que me dá uma grande satisfação é verificar o que está a passar em Espanha e na Irlanda. Parece que chegou uma altura, sem contestar os princípios europeus, começa a haver eleitores que dizem: queremos a Europa dos cidadãos e não a Europa dos bancos e das grandes multinacionais.

 

A Europa social estava a ser completamente ultrapassada por uma Europa das corporações. Veja, por exemplo, o escândalo que foi, na altura, os nossos parceiros europeus gregos que não podiam sequer levantar dinheiro no multibanco e nesse mesmo dia inaugurava-se a sede do Banco Central Europeu que tinha custado mil milhões de euros. Portanto, alguma coisa está mal! O grande passo civilizacional que corresponde à União Europeia é claramente a Europa social, a Europa dos cidadãos, a Europa da igualdade. Não é uma Europa que compete com o capitalismo mais selvagem e que pode deitar abaixo economias como foi o caso da nossa. Espero que agora, todos os partidos, da esquerda e da direita, consigam reconhecer que, em 2010, havia uma crise global, uma crise financeira de grande dimensão e que aquela aliança para deitar o Governo abaixo foi um bocadinho precipitada.

 

 

DTM: António Costa agiu corretamente, na sua opinião, ao abrir pontes à esquerda?

 

CG: Claramente! Aquele argumento, até de algumas pessoas dentro do PS, que achavam que havia partidos que deviam estar à margem… Mas com que direito se dizia que alguns portugueses não tinham direito de participar. Acho que fez muito bem em abrir à esquerda. Até porque depois de um processo tão primário como o que tivemos, e sublinho a palavra primário, em termos de governação, de um Governo que quis ir mais longe do que os nossos credores, que mandou os nossos jovens emigrar, que cortou pensões e reformas, fez trinta por uma linha, depois da direita mais primária, nós precisávamos de arejar um bocado este país. Porque, inclusivamente, se tinham perdido avanços que alguns deles eram, claramente, até avanços civilizacionais e estava a haver um retrocesso que era absolutamente inaceitável.

 

DTM: Portugal tem coisas boas, afinal? Ou nós é que somos muito pessimistas?

 

CG: Quando ouvimos o que os portugueses dizem de Portugal, geralmente, é que é um país complicadíssimo. Claro que ficamos todos orgulhosos quando nos dizem que temos uma das praias mais bonitas do mundo. Mas, em questões de economia, é tudo mau e diz-se que há grandes dificuldades de atrair investimento internacional. Ora. Saiu recentemente o relatório do Banco Mundial e das Nações Unidas sobre o ranking dos países onde é mais fácil fazer investimentos e Portugal está em 23º lugar à frente da maior parte dos seus parceiros da União Europeia. À frente da Espanha, da França, da Itália, da Suíça, do Luxemburgo, quer dizer… Eu acho que não devíamos ser tão precipitados e fundamentar um bocadinho melhor as opiniões e, sobretudo, as opiniões que divulgamos.

 

Dou-lhe outro exemplo. Recentemente, a Moodys veio dizer que o orçamento era positivo. É a primeira vez desde 2010 que a Moodys dá uma informação positiva sobre Portugal e nesse dia a notícia passou quase despercebida. Aquele orgulho que eu há bocado falava e que é importante que os transmontanos tenham, também é preciso que os portugueses tenham. Não podemos é entrar neste fatalismo quase faduncho do antigamente que nos deixa num estado depressivo. Não! Temos que ir à luta e vamos à luta e vamos ultrapassar esta crise como ultrapassámos outras.

 

DTM: Falou no investimento estrangeiro e que Portugal está em 23º lugar no ranking dos países onde é mais fácil investir. O que é que nós, enquanto portugueses e, sobretudo, enquanto transmontanos, poderíamos fazer para captar esse investimento estrangeiro para a criação de postos de trabalho e para o desenvolvimento da nossa região?

 

CG: Se calhar algumas pessoas vão ficar um bocado chocadas com o que eu vou dizer mas eu acho que devemos deixar de pensar numa ótica dos doze municípios e pensar na ótica do distrito. E, de preferência, deixar de pensar só na ótica do distrito e pensar na ótica da região, da região de Trás-os-Montes. Nós como sub-região, integrada na região norte, temos particularidades muito próprias que requerem um planeamento regional diferente daquele que requer, por exemplo, o Douro e Minho. Desde logo, por sermos um território de baixa densidade populacional, mas um território de baixa densidade com população muito qualificada. É que é preciso notar que a nossa percentagem de instituições universitárias per capita é mais elevada do que, por exemplo, no Douro e Minho.

 

A ver se nos entendemos. Nós temos que ser realistas e não ver sempre o copo meio vazio quando analisamos a nossa terra e aquilo que é fundamental para nós. Temos de pensar sempre, de preferência, com o copo exatamente a meio. Ser realistas e ser realistas é não nos deixarmos dominar por este tipo de informação. Temos ótimas autarquias, ótimos autarcas, mas é fundamental pensar para além da escala da autarquia, pensar a nível do distrito, pensar a nível da sub-região, Trás-os-Montes. Até porque, por exemplo, não há assim tantas diferenças entre Mirandela e Valpaços. Se deixássemos esbater um pouquinho as nossas fronteiras internas e pensássemos muito mais numa ótica regional, sairíamos todos a ganhar, sobretudo, o nordeste transmontano.      
 

 



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