O Diário de Trás-os-Montes esteve à conversa com Pedro Cortinhas, um emigrante natural de Alfândega da Fé radicado en Nice, que falou do ataque e da insegurança que se vive na cidade francesa onde ontem à noite decorreu um atentado terrorista que causou 84 mortos confirnados e mais de 100 feridos.
 
 
A noite era de festa. Celebrava-se o Dia da Bastilha, o feriado nacional a 14 de julho em que se comemora a Revolução Francesa, naquela que é definitivamente uma das maiores efemérides cívicas em França. Centenas de milhares de pessoas participam nesta celebração em praticamente todas as localidades e Nice não é exceção. Nesta cidade localizada no sul de França, virada para o Mediterrâneo, uma multidão ocupou como de resto é hábito acontecer todos os anos, a Promenade des Anglais ou Passeio dos Ingleses, onde tinham acabado de admirar o sempre inesquecível fogo-de-artifício, cujo som empolgante misturado com a luz refletida na água oferece um cenário arrebatador a todos aqueles que têm o privilégio de assistir a tamanha encenação.
 
Ao contrário do que acontece, por exemplo, nas festas portuguesas, em que o fogo-de-artifício tem lugar, geralmente, à meia-noite, em Nice, o fogo acontece, propositadamente, ao início da noite. Isto para ser possível, aos mais jovens e às famílias com filhos pequenos poderem contemplar o espetáculo.
 
E tudo corria às mil-maravilhas até que, sem nada o fazer prever, um camião de 3,5 toneladas atravessa uma barreira de segurança policial prego a fundo rumo à marginal de Nice onde o “alvo” previamente marcado desconhecia ainda as intenções do malogrado doente extremista, enquanto comentava, ainda, em ambiente de festa, o fogo-de-artifício que encerrava na cidade as celebrações do Dia Nacional da Bastilha.
 
O ataque perpetrado por um franco-tunisino de 31 anos fez, até ao momento, pelo menos 84 mortos, incluindo 10 crianças e adolescentes, tendo sido, ainda, contabilizados 202 feridos, entre os quais 52 em estado crítico.
 
Curiosamente, de uma forma intrinsecamente macabra, e só para terem uma ideia de como nada disto faz qualquer sentido, a primeira vítima mortal do assassino impiedoso, do terrorista que se pensa agora ter atuado em nome do Estado Islâmico, foi, de acordo o jornal francês "L'Express", uma mulher muçulmana, Fatima Charrihi, mãe de sete filhos. O jornal falou com uma filha da vítima, que segurava o seu bilhete de identidade. "Ela usava um véu islâmico e praticava uma religião verdadeira e ponderada... O verdadeiro Islão. Não aquele dos terroristas", afirmou, categoricamente inconformada, Hamza Charrihi.
 
 
O condutor, identificado como Mohamed Lahouaiej Bouhlel, foi abatido no final da sua travessia de dois quilómetros de total carnificina por elementos da polícia e no camião foram, também, encontradas armas e, inclusive, algumas granadas.
 
 
O Diário de Trás-os-Montes conseguiu, no rescaldo da tragédia, entrar em contacto com um emigrante natural de Alfândega da Fé que se encontra há seis anos em Nice, onde trabalha na construção civil. “É muito difícil, sobretudo, porque há crianças envolvidas e eu tenho um filho e nós poderíamos ter estado naquele local, mas graças a Deus tive um amigo que me convidou para jantar a mim e à minha família e ficámos por casa a ver um jogo de futebol, senão poderíamos ter sido nós as vítimas e talvez já não tivesse a falar consigo”, começou por contar Pedro Cortinhas, que soube do sucedido pelo irmão José, também ele emigrado em Nice, e que esteve na marginal, ligando-lhe logo após o atentado terrorista. “Cinco minutos antes o meu irmão tinha saído do local para vir para casa. Ele está muito mais chocado que eu, pois ele esteve no local. Aquilo tinha acabado e quando ele vinha para casa, o camião passou e deu-se o atentado. O meu irmão começou então a ouvir gritos e tiros e tudo mais”, recorda o telefonema, ainda com a voz carregada de comoção.
 
“Caso o meu amigo não me tivesse convidado a mim e à minha família, eu de certeza que estaria no local também a ver o fogo”, garante Pedro, que mesmo durante o ano costuma passear com a esposa, oriunda também ela do distrito de Bragança, e com o filho, que fará dentro de 10 dias um ano, na Promenade des Anglais. “Aquilo de dia e mesmo à noite está repleto de gente porque tem praia e é um sítio bonito para passear e a maior parte das pessoas vai para ali passear, apanhar ar e aproveitar o bom tempo”, relata o cidadão português de 35 anos, afastado da sua terra natal  por 1500 quilómetros, numa viagem que, pela A64, demora nem 13 horas. Tão perto, mas, emocionalmente, tão longe. 
 
Hoje, o transmontano erradicado em Nice foi trabalhar logo pela manhã e descreve-nos o ambiente que se vive no dia a seguir ao atentado. “As pessoas têm medo, há um clima de terror, as lojas de Nice, a maior parte, hoje, estava tudo fechado e de manhã quando fui para o trabalho não vi quase ninguém na rua”, narra, ainda notoriamente emocionado por uma circunstância inefável que interrompeu as vidas e os sonhos de tanta gente.
 
“O medo já instalado em França chegou, agora, a Nice”, acrescenta Pedro Cortinhas, confessando que, sempre que sair, o receio de que algo possa acontecer será uma constante. “Eu vivi de muito perto os atentados de 13 de novembro em Paris porque nesse dia eu estava na capital e se já depois dos atentados em Paris eu vivia com medo, imagine agora com o atentado de Nice, pior ainda que é a minha cidade, onde eu moro e onde eu trabalho, onde eu faço a minha vida, tão perto e tanta gente morta”, manifesta o, ainda, abalado alfandeguense, admitindo, inclusive que se a situação piorar, pode mesmo regressar a Portugal e tudo pela segurança da sua família. “Farei isso pela cabeça pela segurança do meu filho. É complicado ter uma criança e não haver segurança na cidade onde estás, no país onde estás, e eu confesso que isso passa-me pela cabeça se as coisas piorarem, mas depois penso diferente, que há atentados em todo lado e Deus queira que nunca cheguem a Portugal”, desabafa o residente em Nice, mas “a vida continua”, confia, otimista.
 
No entanto, Pedro Cortinhas (na foto, em baixo, ao centro) que procura agora forças para enfrentar o futuro, tão incerto quanto desconhecido, manifesta que “o medo e o clima de terror irão sempre acompanhar-nos enquanto aqui estivermos e iremos estar sempre atentos a tudo e mais alguma coisa”.
 
 
França voltou, assim, infelizmente, a fazer manchete esta quinta-feira à noite em todos os telejornais mundiais ao ser o cenário catastrofista de um ataque terrorista de grande magnitude. Em menos de dois anos, mais de 230 pessoas morreram e ao menos 300 ficaram feridas em ataques terroristas no país.
 
 
Depois do atentado à redação da publicação satírica Charlie Hebdo que causou 17 mortos em janeiro de 2015, e oito meses após os atentados terroristas de Paris, que vitimaram 130 pessoas, Nice, uma cidade com quase 350 mil habitantes e cuja área metropolitana conta com mais de um milhão, bem como toda a França, Europa e resto do mundo, vive atualmente o luto de uma tragédia internacional, que horroriza todos pelos seus contornos de malvadez extrema, sem explicação possível e motivado por razões ainda por esclarecer, mas que nunca serão suficientes para justificar tamanho ato tresloucado de assassinato em massa.
 
O país da "Liberté, Égalité, Fraternité" (Liberdade, Igualdade, Fraternidade) decretou pela voz do seu presidente, François Hollande, ainda na madrugada de sexta-feira, três dias de luto nacional e o Estado de Emergência, imposto depois dos ataques de Paris, mas que estava prestes a terminar, vai ser prolongado por mais três meses. Com 84 mortos e mais de 200 feridos, o atentado em Nice representa o segundo maior ataque terrorista na história da França, atrás apenas do ocorrido em novembro último na capital francesa e que provocou 130 mortos.
 
O ataque, tratado como um atentado terrorista pelas autoridades francesas, ainda não foi reivindicado por nenhum grupo. As motivações do cidadão francês de origem tunisiana, pai de três crianças e separado da mulher, também não foram para já esclarecidas. Os próximos dias serão, no entanto, cruciais para entender como o ataque foi planejado e levado a cabo, por quem ou em nome de quem. Por enquanto, o mistério prevalece.
 
Os únicos factos concretos são mesmo o medo, a vulnerabilidade e o ambiente de insegurança já instalado na mente dos franceses e da comunidade portuguesa emigrante em França, sendo que, parte dela, admite já vir a ponderar regressar a Portugal se estes ataques terroristas continuarem.
 
O futuro é sempre incerto, agora mais. Espera-se só que os líderes franceses e europeus tomem com confiança as medidas mais que certas, e que essas possam trazer tempos de relativa acalmia a uma Europa cada vez mais intranquila.
 
 
ÚLTIMA HORA:
 
ESTADO ISLÂMICO REIVINDICA ATENTADO TERRORISTA EM NICE A MEIO DA MANHÃ DE SÁBADO.
DUAS PORTUGUESAS, AO INVÉS DE UMA, ENTRE OS FERIDOS LIGEIROS.
QUATRO INDIVÍDUOS DETIDOS, SUPOSTAMENTE, LIGADOS AO ATAQUE DE QUINTA-FEIRA.
 
 



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