Nuno Magalhães

Nuno Magalhães

26 de Abril de 2020

Celebraram-se, ontem, os 46 anos do 25 de Abril de 1974. Uma celebração da Revolução dos Cravos, no mínimo, diferente do habitual – menos deputados no Hemiciclo, menos convidados e sem guardas de honra ou paradas militares a desfilarem pelas ruas – no entanto, assinalou-se uma data importante da história Portuguesa, num contexto delicado e mais taciturno, fruto da pandemia da COVID-19. Independentemente de gostos e ideias diferentes, não pretendo comentar o formato das celebrações ou a sua realização, ou não realização, neste momento, além de ser um exercício inócuo, uma vez que as celebrações já se realizaram, nada acrescentaria ao que já foi dito e desdito, nos últimos tempos, em telejornais, redes sociais e outros fóruns. Contudo, acredito que o 25 de Abril e o sentimento de Abril não se celebram apenas num dia, celebram-se todos os dias, em que cada um de nós, concretiza Abril, em que concretiza a Liberdade que ganhámos pela coragem de todos os Portugueses. E, lamentavelmente, em volta das celebrações da Liberdade, sentiram-se momentos que beliscaram a própria liberdade.

E começamos pelo Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues. Convicto defensor da realização das cerimónias do 25 de Abril, Ferro Rodrigues mostrou-se impiedoso e com mão pesada àqueles que não concordam consigo. Independentemente da maioria da conferência de líderes partilhar da sua visão, tal não significa que os que não concordam tenham de, como se diz na gíria, “ouvir, calar e comer “. Têm direito à sua opinião, sem que esta tenha de ser categorizada como errada, não, apenas é uma opinião diferente. Além do tom ríspido com que se dirigiu a alguns deputados e discordantes, Ferro Rodrigues, afirmou que “(…) houve muita gente mascarada de 'abrilista' durante estes anos todos e agora deitou as garras de fora”. [1]Bem, a não ser que Ferro Rodrigues saiba algo que mais ninguém sabe, não encontro justificação para insinuar que aqueles que não concordam com as celebrações são “Abrilistas disfarçados “, ou seja, Fascistas ou Antidemocratas, apoiantes de uma nova ditadura e de António de Oliveira Salazar. Discordar é ser mais Abrilista do que seguir cegamente um dito “Democrata “, a Liberdade a isso nos obriga, a não nos calarmos porque é inconveniente ou será mal visto expressar a nossa opinião. “Abrilista disfarçado” é aquele pequeno Tiranete que, do alto do seu inquestionável espírito democrático, diz que tu estás errado apenas porque não concordas comigo. Isso sim é vestir a capa da democracia, quando por dentro se é intolerante com a diferença e não se respeitam opiniões divergentes, catalogando-as como antidemocráticas ou fascistas. O Presidente da Assembleia da República mostrou, assim, que se está “cagando” para a Liberdade de Abril.

Em seguida, o próprio Presidente da República. O discurso proferido na cerimónia, de Marcelo Rebelo de Sousa, foi um discurso de muita justificação e pouco de Estado. Maioritariamente, durante o período em que esteve no púlpito do Hemiciclo, Marcelo procurou rebater, um por um, os argumentos que contrariavam a realização das Cerimónias. Como é habitual, um discurso bem estruturado, forte e que toca nos pontos exatos da questão, mas, é isso suficiente para dizer que era impossível não realizar estas celebrações? Não! Marcelo fundamentou a sua escolha, no entanto, não convenceu que outra escolha fosse incorreta. Vamos supor que seria outro Presidente da República, alguém que não fosse apoiante das celebrações do 25 de Abril e que ao longo de uma comunicação ao País explicasse ponto por ponto a sua decisão, estaria ele certo e todos os outros errados? Obviamente que, também, não! Ou seja, Marcelo Rebelo de Sousa, justificou-se ao País, tentando transmitir que quem não pretendia realizar as cerimónias estava errado, no entanto, ao agir desta forma, o Presidente da República desvalorizou, também, a Liberdade de todos os que discordaram. Ninguém está errado nesta discussão, apenas existem pontos de vista diferentes, sem que isso transforme os argumentos de uns em certo e os de outros em errado. Pelo que, a Democracia funcionou, a maioria decidiu celebrar o 25 de Abril na Assembleia da República, sendo que o Presidente não tinha de se justificar e, ao fazê-lo, abriu em pé de guerra contra aqueles que não concordaram, dizendo que  estão errados. Além do mais, algo típico em Marcelo Rebelo de Sousa, é difícil falhar a argumentação ou conseguir contrariá-la quando fala sozinho, sem contraditório.

Assim, as duas primeiras figuras do Estado Português, ambas a favor das celebrações, ambos responsáveis por cumprir e preservar Abril, não respeitaram uma das maiores conquistas de Abril – a Liberdade.

Usar Abril ou a Liberdade de Abril para justificar a realização das celebrações no molde em que se realizaram é, não só inoportuno, como roça a arrogância e intolerância que não são próprias desta data. Tal como utilizar a Liberdade de Abril ou a Pandemia como justificação para a não realização das celebrações seria, igualmente, inoportuno, arrogante e intolerante. A realização ou não realização são fruto dos responsáveis pela sua decisão, não é Abril que nos dá a razão para dizer que estamos certos e todos os outros errados. Abril deu-nos a liberdade para escolher, não é o argumento para dizer que todos os que não concordam com o modelo estão errados e são fascistas, antidemocratas ou Abrilistas disfarçados. Ninguém está errado, ninguém é antidemocrata e ninguém é um fascista com capa de Abril, apenas discordámos do caminho seguido e discordar é uma conquista da Liberdade, da Liberdade de Abril.

A intolerância, a opressão das ideias diferentes e o categorizar das pessoas, entre apoiantes ou opositores do sistema, são próprias da ditadura, e não do regime democrático e livre que Abril conquistou. É preciso cumprir Abril e isso significa aceitar a Liberdade, e essa Liberdade é aquela que nos permite discordar, discutir e debater, sem que desse encontro de ideias dissonantes signifique que uns estão totalmente certos e os outros são opositores da democracia. É preciso aceitar que, muitas vezes, ninguém está errado naquilo que diz ou propõe, simplesmente significa que temos formas diferentes de chegar ao mesmo destino.

Viva-se em Liberdade, não se apregoe Liberdade sem a cumprir. Porque cumprir Abril não é, apenas, celebrar, ano após ano, a efeméride, de cravo ao peito, é cumprir os seus desígnios sem a cravejar. Infelizmente, neste 25 de Abril, a Liberdade saiu pela porta dos fundos.

 

Nota: Esta é a minha opinião, não é certa nem é errada, é uma visão de um cidadão português sobre uma das datas mais marcantes do seu País. Se concorda, fico feliz, se discorda, mais feliz fico, porque é da diferença que se constroem as melhores soluções. Seja Livre, discorde, concorde, tenha opinião, porque o Mundo precisa de mais Liberdade e menos seguidismo.


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