Chrys Chrystello
E a Ibéria aqui tão perto
Desde que o SMO (serviço militar obrigatório) me arrancou em setº 1973, a contragosto do rincão natal ibérico (mas ainda não-europeu) rumo aos orientes exóticos, que tenho noções contraditórias sobre o mesmo.
Se é certo que regressei da Australásia em definitivo em abril 1996, nunca mais olhei para Portugal ibérico da mesma maneira. Há duas imagens que se sobrepõem, a dos afetos anteriores a 1973 e a da realidade atual, de desenvolvimento do betão, de autoestradas, vias rápidas, sem vias férreas, do crescimento desenfreado urbano, da mudança de valores, paradigmas alienígenas, e dou por mim a querer preservar a visão antiga embora saiba que esses tempos não voltarão na sua simplicidade e lhaneza.
Ora foi isto que, mais uma vez, sucedeu há dias quando decidimos ir passar o 10 de junho ao norte peninsular, mais especificamente à minha mátria Bragança (mais desertificada, mais prédios abandonados e a cair, algumas novas construções). Comecei por estrear a autoestrada A4, cujo malfadado tunel do Marão tanta canseira e atraso na sua construção teve, mas que facilita (e de que maneira) as deslocações para essa ilhota isolada que o nordeste transmontano foi durante nove séculos e meio. Gostei da obra, da paisagem e da rapidez, mas passada Vila Real o movimento começou a reduzir-se (sábado, hora de almoço) tal como em tempos idos até chegar a Bragança onde vivi de 2002 a 2005, antes de me açorianizar.
Era uma visita para matar saudades desse distrito mátria onde passei as férias desde os 2 aos 17 anos, comer uma posta mirandesa no obrigatório restaurante Poças que frequento desde a década de 1960 (e era a base dos colóquios da lusofonia até 2010), onde encontrei o pessoal do costume, que tiveram a gentileza de me reconhecer mal entrei ( não ia lá desde 2010). `a espera o inefável amigo de tantas horas, Dr Eleutério M Alves, ex-diretor da Cultura da Câmara Municipal de Bragança e provedor da Santa Casa da Misericórdia no meu tempo e atualmente vice-presidente da Direção da CNIS (Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade). Com ele tagarelamos longamente, tendo recebido livros, revistas e a gentileza de nos ofertar (aos seis) o almoço em que se celebrava o aniversário da filha mais velha. Gentileza que recusei veementemente mas a idosa dona do Poças não permitiu que eu pagasse. Assim, rememoramos cenas de há duas décadas, as tropelias do meu mais novo (hoje com 27) quando frequentava a escola primária da Santa Casa. Um ato genuíno de amizade que espero retribuir quando visitar, de novo, a ilha de São Miguel lá mais para o fim de ano. A isto chamo amizade solidária. Conhecidos em Bragança tenho muitos mas amigos como este não. A visita relâmpago deu ainda para ver a velha casa no nº 19 da Rua Direita onde a minha mãe morou desde 1932 a 1939, e onde primos vários residiram enquanto faziam o Liceu em Bragança, lá continua mas agora acoplada à antiga Sinagoga no nº 23 e como nova repartição de Finanças (nº 29). Tive ainda tempo de ir espreitar o saudoso apartamento de soberbas vista para o castelo e “presépio” de São Sebastião nas Varandas do Sabor, Avenida do Sabor. Vim revigorado de memórias e de saudades, consciente de que esta poderá ter sido a minha última incursão ali e que terei de preservar na memória todos os instantes e imagens desta visita, dado que contamos ficar nesta nova pátria açoriana até que o crematório nos consuma...se antes os senhores da guerra não resolverem acabar com este planeta.
Chrys Chrystello, Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713 [Australian Journalists' Association - MEEA]
Diário dos Açores (desde 2018)/ Diário de Trás-os-Montes (2005)/ Tribuna das Ilhas (2019)/ Jornal LusoPress, Québec, Canadá (2020)/ Jornal do Pico (2021)
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