Manuel Igreja
A Agricultura
No início, era a Agricultura. Depois, tem sido ela e mais muitas outras coisas. No futuro, será o que Deus Nosso Senhor Quiser, porque os Homens chegaram ao ponto em que não sabem o que querem nem sabem o que dizem. Só fazem com muito saber, mas com pouco tino. Com o que sabem, frequentemente dá-lhes para o mal, ou só para o bem de alguns. Dos mais espertos. Ladinos.
Este nosso pequeno mundo, microscópico no universo, está de se não recomendar, não por ele, mas devido aos quem têm a sina de nele habitar. Hoje em dia, mais apetece ir viver para a lua. Não para aquela onde muita gente anda sem lá pôr o pé, só a cabeça, mas sim para a outra. Aquela que encanta os enamorados nas noites de luar.
Isto visto de lá aqui, deve ser digno de comédia. Pena, é que possa vir a acabar em tragédia para todos como vai sendo para alguns para nós sempre os outros. Mas já diziam os antigos que não há bem que sempre dure, nem mal que não acabe, por isso, siga. A Natureza renova-se em ciclos, e a História emita-a.
Mas fazendo agora o desvio para o rego por onde pretendo levar esta água ao moinho, que é o tema da Agricultura. Como principiei a dizer, ela foi a modo de dizer, o princípio de tudo, logo a seguir ao descer-mos das árvores de acoito para virmos dar às casas cobertas de telha.
Colocamos os pés no chão, erguemos a coluna até que ficasse na vertical, esgadanhamos a terra, inventamos arados e outros utensílios, granjeamos para mastigar e deixamos de andar a cirandar de um lado para o outro. A saudade dos nossos mortos, mais a necessidade e o gosto de ver as novidades a vingarem florindo, fizeram com que se fixassem estacas no solo.
Os campos agricultados, viraram extensão de cada pessoa, alfobres de sonhos de ser, de saber e de possuir. Só não viraram hortas em planícies de felicidade, porque a humanidade sempre foi e é exímia em criar desigualdades e em cercear as liberdades.
Por essa via, a posse da terra tornou-se símbolo e efeito de poder, fonte de fartura e de fome, origem de lutas e de labutas. Ao longo dos séculos, milhões suaram e mourejaram para que a Agricultura acontecesse. Ao seu jeito e pelo que é, ela sem se fazer estranhar, entranhou-se naqueles que no meio do campo nasceram, num processo dinâmico essencialmente percebido por quem nasce e cresce no meio das vides ou das berças.
Por isso, a mim, e eventualmente a si, que igualmente o percebe, nos custa a ver o desmando que se vive na nossa Agricultura, entendida ela, não como somente a portuguesa, mas antes e de uma maneira mais geral a europeia. Os tratores sem a charrua andam na rua. Nas avenidas das cidades que se alimentam do que a terra dá com a ajuda dos agricultores.
Protestam. Trabalham, mas pouco lhes pagam. Os seus produtos saem dos seus campos com preços baixos ao ponto de causarem prantos. Desesperos, porque não dão para colocar comida na mesa. Começam a não dar para alimentar o gado, mais parecendo que a fome encoberta parece poder vir a ser destino de fado.
Ainda que em tempos idos, mas não muito recuados, tenham desaproveitado ou esbanjado, pelo menos alguns não poucos, agora, desesperam e esperam. Obrigados a competir com outros de outras latitudes que não seguem as regras convenientes e mais inteligentes em termos ambientais e salariais, estão a não conseguir escoar os produtos com preços que cubram os gastos.
Não sei se nos países que nos são mais próximos e parceiros na desnorteada União Europeia é igual, mas no nosso país, acresce um outro fator e entre outros. Meia dúzia de empresas de distribuição, mercearias de grande porte, escoam perto da totalidade da produção agrícola, estabelecendo preços de compra e de venda a seu bel-prazer.
Colocam o garrote e ditam a sorte. São o elo mais forte. Os consumidores e os agricultores, são o elo mais fraco. Estes são reféns. Aqueles, pagam sem poderem miar. Quando muito podem protestar com ecos que não são escutados. Quando muito são ventilados. Os outros, ganham a bom ganhar.
Por isso, o tema nos pertence. Nos toca. Nos emociona e nos incomoda. Queremos que a Agricultura sempre nos agrade. Não podemos permitir que se degrade. Os deuses podem não gostar que se permita que o essencial inicial definhe e mirre por ausência de quem cuide dos campos que nos forjam a identidade desde um tempo sem idade, porque no presente não respeitamos o passado nem cuidamos do futuro.