Teresa A. Ferreira

Teresa A. Ferreira

A bicicleta velha

Os dias de verão convidam a uma ida à praia e, com certa dificuldade, consegui colocar a toalha na areia. Estava uma turma imensa de gente procurando o sol e o frescor das águas do Azibo em Podence, Macedo de Cavaleiros, o mesmo pensamento tive eu.

Deitei-me um pouco na toalha, não sem antes passar o protetor solar em todo o corpo. Deixei-me ficar na senda de escutar alguma história interessante. Eis que surgiu. Passemos então à breve história.

Estavam dois casais muito próximo de mim. Reparei que eram emigrantes, mas da nova vaga de emigração, gente com formação superior. Conversavam em português – o que muito me agradou. Eis que uma das senhoras resolveu contar uma peripécia sua ocorrida em Paris.

A Juliana tinha terminado o turno no hospital onde era fisioterapeuta, pegou na bicicleta e foi beber uma cerveja a uma esplanada. A páginas tantas…sentada a apreciar a cerveja...um casal português, que há muitos e muitos anos trabalhava em Paris, resolveu meter conversa com ela.

- Desculpe a intromissão, mas a menina é portuguesa, não é? - perguntava a Zulmira.

- Sim, sou.

- Nós também. Estamos cá há mais de 30 anos. Como se chama?

- Juliana.

- Eu chamo-me Zulmira e o meu homem Joaquim. E o que faz a menina?

- Trabalho num hospital aqui perto.

- É empregada das limpezas?

- Não, sou fisioterapeuta.

- Ah, bom! É outra loiça. Deve ganhar muito bem.

A Juliana sorriu, mas não se desmanchou.

- Oh, Zulmira, não incomodes a pequena. – atalhava o marido.

- Nós temos trabalhos simples. Eu trabalho nas limpezas e o meu marido é pedreiro nas obras. Temos um casal de filhos, muito bonitos. – a Zulmira fez um pouco de silêncio e retomou o diálogo - O meu Zé Carlos é que estava bem para a menina. Devem ter a mesma idade, por certo. Quantos anos tem a menina?

- Tenho 25 anos.

- O meu Zé Carlos tem 28 anos. É pedreiro como o pai. Não quis saber dos estudos. Eu bem insisti, mas…

Fez-se de novo silêncio e a Zulmira voltou à conversa.

- Que carro tem a menina?

- Tenho esta bicicleta aqui. – e apontou para ela. Era uma bicicleta bem usada e com alguma ferrugem. Mas dava para circular e era o quanto bastava a Juliana.

- Ah, bom! Está no começo da vida, é normal. O meu Zé Carlos tem um carro novo que lhe comprámos com as poupanças. A menina sabe como é a vida de emigrante! Uma labuta constante e toca de amealhar o mais que se pode para ter a nossa casinha em Portugal. A gente gosta de ir à nossa aldeia, uma vez por ano, e que toda a gente tenha proa em nós. Já viu se aparecêssemos por lá com os pés descalços? O que não falaria o povo?!

- Não incomodes a pequena. Deve vir cansada do hospital. – lembrava o Joaquim à mulher.

- Tens razão, homem. Eu para aqui a falar, falar e a moça pouco diz. De onde é a menina?

- Sou de Mirandela.

- Ai Jesus, credo! Não posso acreditar. Sabe de onde eu sou?

- Não faço a menor ideia. – afirmava a Juliana.

- Sou de uma pequena aldeia, mas muito bonita, que pertence a Mirandela. Sou de Alvites. Já ouviu falar?

- Por acaso já ouvi a minha mãe falar nessa terra. Não é a que tem dois solares muito bonitos e uma igreja em estilo gótico?

- É essa mesma. Mas quanto ao estilo da igreja não sei nada disso, tenho poucos estudos. O meu marido é de Mascarenhas. Conhece?

- Conheço sim, a minha mãe é de lá.

- Como o mundo é pequeno! Estás a escutar, homem? A mãe da menina é da tua terra.

- Como se chama a sua mãezinha? – perguntou o Joaquim

- Maria Antónia Sarmento Pires. É filha do senhor José Ildefonso Pires e da senhora Augusta do Carmo Sarmento.

- Conheço muito bem a sua família, menina Juliana. Gente trabalhadora e de bem.

A Zulmira trocou contactos com a Juliana, para o caso de a pequena precisar de algo.

- Depois ligo-lhe para combinarmos um almoço em nossa casa no fim de semana, se estiver livre e for da sua vontade. Estas coisas de hospitais…sempre a trabalharem por turnos…compreendo bem. – afirmava a Zulmira.

- A menina deixe estar a cerveja. É por nossa conta. – afirmou o Joaquim. – Vá descansar que deve estar para lá de moída.

- Muito obrigada pela gentileza. – despediu-se do casal, pegou na bicicleta e rumou até à residência universitária.

Os amigos, que estavam na praia com ela, rindo da bicicleta velha perguntaram-lhe se voltou a ver o casal.

- Fui almoçar com eles no fim de semana seguinte. Era gente humilde, mas de bom coração. Eu é que não tinha forma de lhes retribuir. Vivia num quarto, da residência do hospital, destinado aos estudantes universitários.

- E sentiste-te apoiada pelo casal?

- Senti que tinha alguém que podia cuidar de mim se algo me acontecesse. Vivia sozinha em Paris, não tinha família nem namorado.

- Então foi excelente, Juliana!

- Sim, foi.

- E depois?

- Depois… conheci um marroquino e comecei a namorar com ele. Dali por uns tempos o namoro acabou e eu concorri para um hospital no interior de França – a vida em Paris é extremamente cara. Foi nesse hospital que conheci o meu marido.

- Que engraçado!

- Pessoal: vamos dar um mergulho? – perguntou o marido da Juliana.

Eu, que também sou uma alma de Cristo, achei a história muito ternurenta e ri com a bicicleta velha da Juliana. Estes acasos da vida enchem-me de coragem para seguir em frente lutando contra os meus moinhos de vento.


© Teresa do Amparo Ferreira, 07-08-2024
    𝙉𝙖𝙩𝙪𝙧𝙖𝙡 𝙙𝙚 𝙏𝙤𝙧𝙧𝙚 𝙙𝙚 𝘿𝙤𝙣𝙖 𝘾𝙝𝙖𝙢𝙖,
    Mirandela, Bragança, Portugal.


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