O meu avô foi o meu grande mestre. Ensinou-me a fazer os costelos, a que outros chamavam pescoceiros, essa armadilha mágica, de arame fino, sempre infalível na caça aos taralhões. Mas ensinou-me também a procurar os iscos apropriados, geralmente as minhocas nos canoilos do milho, ou as agúdias nos formigueiros, que se guardavam vivas em latas de graxa. Quanto não, servia um simples grilito. Depois, quando o petisco, às vezes esse pobre grilito, se punha a espernear, os taralhões iam logo sobre ele e… zás!, fechava-se-lhe o costelo sobre o pescoço. E já não escapavam.
Ainda hoje me lembram os refogados de taralhões, com que se premiavam estas memoráveis caçadas de criança. Entre a miudagem havia autênticos “catedráticos” nessa arte cinegética, num tempo em que a passarada abundava nos campos, por vezes infernizando os lavradores que já não tinham espantalhos que chegassem para a afugentar. Eram os pardais, os tordos, tentilhões ou melros. Tirando as andorinhas, essas jamais!, que eram protegidas de Nossa Senhora, toda a sorte de passarada tinha lugar reservado nos potes, o que, ao mesmo tempo, era bem acolhido no mundo rural que desse jeito via um pouco mais acautelado o equilíbrio do ecossistema.
São tempos que ficaram lá longe, meio século a passar. Recordá-los hoje só faz sentido para confrontá-los com os novos modelos civilizacionais que abominam tais práticas. Na verdade, eu, que em criança fui um mestre a caçar taralhões, hoje sou um devoto militante da causa animal, reconhecendo que há tradições que perdem validade quando se esgota o fascínio estético que as suportava.
Tudo isto para dizer que aplaudo a deputada Cristina Rodrigues, ao propor no Parlamento uma iniciativa legal que poderá conduzir ao fim das touradas em Portugal.
