Alexandre Parafita
A Cimeira Ibérica que aí vem
Vila Real foi a cidade escolhida para a Cimeira Ibérica agendada para os próximos dias 29 e 30. Conhecidos os fracassos das anteriores (em especial da última, em Baiona, entre Rajoy e Passos Coelho, que durou apenas três horas e não deu em nada…), é já grande o frenesim em torno desta, que promete, no mínimo, um certo esplendor mediático para Vila Real colocando-a no mapa das grandes decisões transnacionais.
Sobre a mesa, estarão seguramente temas de que já se vai falando, inscritos num chamado Programa Operativo de Cooperação Transfronteiriça (POCTEP). Será assim inevitável retomar o plano de mobilidade transfronteiriça com a projetada conexão ferroviária de TGV Sines-Lisboa-Badajoz-Madrid, e (quem sabe?) dar ouvidos a lóbis nortenhos que reclamam a reconversão da Linha do Douro como solução estratégica para o tráfego internacional de ligação à restante Península e à Europa além-Pirenéus. Mas estão aí também temas candentes como os projetos energéticos comuns, as emergências transfronteiriças com enfoque nos incêndios (hoje as leis proíbem que bombeiros de um país acudam a uma emergência no país vizinho se esta ocorrer a mais de dez quilómetros…), o mercado único ibérico para o turismo, a harmonização das titulações académicas…, e só por milagre é que não cairá na mesa a incontornável questão da central nuclear de Almaraz, agora que os dois governos parecem entender-se, ainda que perante a revolta persistente dos ambientalistas.
Está bem de ver que não faltarão na mesa muitos assuntos que sempre desuniram os países (e que sustentam a velha parémia: “De Espanha nem bom vento…”), mas que hoje a vontade dos homens converte em estratégias de união. Talvez por isso em cima da mesa desta cimeira, que por sinal até se realiza em terras nortenhas, não irá estar um vislumbre sequer daquilo que mais une, desde sempre, os dois povos: a cultura ancestral comum Galiza-Norte de Portugal. E era por aí que tudo deveria começar. A Euro-Região Galiza-Norte de Portugal, que procura afirmar-se numa lógica europeia nova, jamais chegará a bom porto se não tiver como âncora uma consciência de comunidade transfronteiriça sustentada no património cultural imaterial comum. Mas neste capítulo os dois governos estão claramente de costas voltadas. Apesar dos esforços que etnógrafos portugueses e galegos representados pela ONG “Ponte nas Ondas” travam há anos, Lisboa e Madrid ainda não conseguiram sequer entender-se numa coisa bem simples: a apresentação da tão almejada candidatura comum do Património Imaterial Galego-Português a Património Mundial da UNESCO. E bem podia ser agora.
(in JN, 13-05-2017)