Ana Soares

Ana Soares

A cor da morte

Recentemente houve um homicídio horrendo em Bragança, de um jovem cabo-verdiano que estudava no Instituto Politécnico de Bragança (IPB). Dias depois, um jovem estudante de engenharia informática, junto à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, foi também barbaramente assassinado no seguimento de um assalto.

Ambos os homicídios são dignos de consternação, mágoa e indignação. No entanto, desde a morte do jovem Giovani, em Bragança, que se tem assistido a um expelir de artigos, reacções e comentários que, alegando por a nu um suposto acto racista, mais não são que perigosos rastilho de pólvora cujas consequências são objectivamente nefastas e perigosas.

Sejamos claros: um homicídio é sempre um acto hediondo porquanto destruidor de uma vida humana. A morte é fria e incontornável, sem cor. Não tentem rotular as mortes destes ou outros jovens, de idosos, crianças ou pessoas de meia idade. A morte é una e não é qualquer característica do morto que a deve tornar mais ou menos digna, com maior ou menor impacto. Um Pai ou uma Mãe certamente viverão a morte de um Filho com uma dor tremenda, inimaginável, independentemente de ser um doutorado, um estudante ou um indigente. Na dor não há raças, etnias e gerações. Não há, sequer, aval financeiro que nos salve de morrer.

Em Portugal parece que se criaram verdadeiros tabus que não podem ser contrariados sob pena de um vexame em praça pública. Porque se pode dizer que um assassinado é branco, preto ou cigano, mas já não se pode referir determinadas etnias ou raças quando nos referimos aos criminosos?

Face ao crime cometido em Bragança, foi fácil rotular: crime de origem racista, numa sociedade retrógrada e conservadora, onde a diferença não é aceite. Pena é que quem assim fale provavelmente não conheça a nossa região, o nosso Instituto Politécnico ou a integração que cá se vive. Muitos ecos têm os twiters, artigos e comentários de quem nunca viveu a nossa realidade em detrimento das opiniões de quem cá vive e partilhou o mesmo IPB com Giovani, como do Presidente da Associação de Estudantes Africanos de Bragança. Actos de racismo, como os de quem rotula os crimes de racistas por a vítima ser de raça negra e os assassinos de raça branca mas já não o faz quando é ao contrário, ou vice-versa, são gravíssimos e devem merecer censura, não só pelo que valem por si próprios mas também pelos ânimos que exaltam e ódios que fomentam, muitas vezes sem qualquer fundamento na verdade.

Segundo foi veiculado pela comunicação social, a PJ não suspeita de crime racial, mas motivado por causas fúteis. No entanto, nada diminuiu os ditames de racismo. Alguns num tom que claramente contrariam qualquer regime democrático, que defenda a igualdade e onde o racismo seja felizmente reduzido como acontece no nosso.

Bragança e os brigantinos são inclusivos, fomentam a integração. Integração essa que parece que passou também ela a ser crime, porque politicamente correcto é falar em coexistência e não integração. Erro que me parece brutal. O Homem é um ser social e portanto a relação entre todos, a aprendizagem e influência mútua é, não só desejável, como intrínseca. Querer que quem venha para Portugal se feche e viva como se não estivesse num país diferente é querer uma sociedade de guetos, onde cada um vive como quer até que algo expluda. E certamente o que adviria daí não seria bom. Não é o que acontece em Bragança, onde o IPB tem cerca de um terço de alunos de 70 nacionalidades. Há certamente muito a fazer e há sempre possibilidade de melhorar, nomeadamente integrando e criando cânones regidos pelo respeito, civilidade e comunhão. Onde haja regras – porque tem de haver – independentemente de a quem se destinam e onde exista efectivamente uma rede de solidariedade que ajude quem cá está e precisa, independentemente de ser de cá ou não. Mas a quem tem dúvidas que venha a Bragança e perceba a aberração que são os rótulos colocados por quem nem sabe do que fala.

Lamento profundamente a morte de Giovani e espero que quem cometeu este crime brutal seja punido pela Justiça. Espero o mesmo para o estudante assassinado em Lisboa. E para todos os outros casos, mais ou menos badalados pela comunicação social. Mas não queiramos dar raça, etnia ou origem à morte ou à dor. Juntemo-nos antes pelos valores da dignidade do ser humano, do pesar e da solidariedade e persuadamos a sociedade para que a vida valha por si só, como valor máximo da colectividade.


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