Alexandre Parafita
A cultura do efémero
Convidado há alguns dias por um agrupamento de escolas da região do Douro para falar com jovens sobre a literatura e os escritores durienses, fiquei estupefacto com o desconhecimento generalizado sobre os nomes e a obra dos grandes autores que desenharam em palavras e cantaram em versos a paisagem humana e física deste território, projetando-a para lá das fronteiras regionais e nacionais. Miguel Torga, João de Araújo Correia, João de Lemos, Guerra Junqueiro, Domingos Monteiro, Trindade Coelho, Guedes de Amorim, António Cabral, Luísa Dacosta, todos eles figuras emblemáticas e grandes embaixadores literários do Douro, são nomes (tirando o primeiro e o segundo nas escolas de que são patronos) completamente desconhecidos dos jovens de hoje.
Mas já não é só inquietante constatar a desvalorização da prática da leitura como instrumento de formação pessoal destes jovens; inquietante é também perceber a total indiferença em relação aos fatores culturais identitários que ligam os escritores ao território, aos espaços mágicos da paisagem enquanto fonte ativa de cultura e por isso fortemente inspiradores para os atos criativos.
Quem deveria fazer algo para afrontar esta realidade, ajudando a promover a leitura dos autores nas escolas e nas famílias, enriquecendo as bibliotecas escolares e fomentando parcerias dinâmicas com elas, patrocinando a reedição de obras fundamentais…, em vez disso, continua a ocupar-se em eventos efémeros, tertúlias de capela com os mesmos a debaterem sempre o mesmo, em formatos gastos e improdutivos. A cultura que se vê programar continua voltada para eventos de dimensão ilusória, mas que consomem rios de dinheiro, sem garantirem dinâmicas duradouras e enraizadas nas comunidades. Geralmente efémeros, deles nem sequer é possível monitorar os efeitos reais que produzem, e muito menos em termos de sustentabilidade económica. Valem pela congregação de interesses que mobilizam e pela agitação momentânea que provocam pontuada numa simulada agitação mediática, mas esgotam-se na sua própria efemeridade. São um bluff, portanto.
Enquanto isto, continuamos a ver os nossos adolescentes, gravitando nos caprichos do vento, rendidos a uma certa “poesia” vomitada nos palcos, capazes de fazer coro com um excêntrico músico da onda rap (a entoar “deixa-te de merdas” ou “gosto do teu rabo / principalmente quando ele mexe / e a minha cresce”…), mas incapazes de recitar um verso de Torga.
(in JN, 26-5-2017)