Ana Soares
A ditadura do politicamente correcto
Vivemos numa época muito interessante do ponto de vista sociológico. A verdade é que, todos nós, através das redes sociais nos inflamamos muitas vezes contra – ou a favor – de imensos eventos do dia-a-dia, o que cria fenómenos de massa interessantes. Na realidade, um dos aspectos que considero mais interessantes das redes sociais é exactamente a dualidade de realidades a que dá lugar, ora verdadeiras obras sociais, ora recantos de escárnio e maldizer capazes de envergonhar qualquer alma que as ouse ler.
Como aspectos muito positivos das redes sociais, lembro-me sempre de tantas campanhas de solidariedade (e falo apenas das verdadeiras…) que ganham corpo devido às inúmeras partilhas e pequenas contribuições. Recordo também como foi quase um milagre quando recuperei o meu cão que tinha caído do terraço depois de um post no facebook ou, mais recentemente, a verdadeira indignação – tão mas tão justificada – com o programa televisivo SuperNanny. Neste último caso, acredito que muitas das reacções de organismos oficiais se deveram em grande parte à revolta maciça que se verificou nas principais redes sociais e que, espero, venha a ter consequências dignas desse nome.
No entanto, a facilidade como se criticam ferozmente pessoas e comportamentos – tantas vezes com identidade escondida por perfis de utilizador falsos ou sob a parente inimputabilidade de o fazer por detrás de um ecrã de computador – é verdadeiramente assustadora e é isso que me faz hoje escrever esta crónica.
Mães praticamente cruxificadas por furar os ouvidos às Filhas, ameaças à integridade física por defesa ou crítica das touradas ou até ridicularizações por fotografias em que se nota celulite, uma barriguita ou o seu exacto inverso (sendo, neste caso, a principal embaixatriz a Carolina Patrocínio e as suas gravidezes ultra mega fit). Veja-se que o problema não são – nem poderiam ser – as diferentes opiniões ou a liberdade de as expressar, pelo contrário. O problema é considerarmos que essa liberdade, quando expressa numa rede social, não tem que conhecer outros limites como a boa educação, a sensibilidade dos demais ou até a sua própria dignidade.
Todos nós certamente já nos sentimos afectados por uma ou outra onda destes fenómenos radicais e de massa. Confesso que há um que me revolta particularmente porque, de tão generalista e perverso, me sinto também afectada. E claro, usando a minha liberdade cá estou eu a manifestar a minha discordância, mas – espero! – sem ofender ninguém. Falo da onda vulgarizada sobre as cesarianas: violência contra a gestante; vaidade acima da saúde; pressão dos hospitais privados, entre tantas outras críticas. No outro dia, até vi um episódio da “Porta dos Fundos” (com o qual me ri imenso, há que reconhecê-lo) ser apontado como “a chama da verdade num mundo de mentiras”. Mais comentários para quê…
Fico perplexa quando a cesariana é mencionada como um mar de rosas. Gostava de saber se alguma das pessoas que assim fala passou por ela. Se não tenho dúvidas que é mais fácil antes e durante o parto, certamente que o não é após o mesmo, quando a Mulher tem que recuperar das sete camadas de tecido que lhe foram cortadas quando o único que deseja (e não consegue!) é mexer-se facilmente para estar junto do seu Bebé. A ditadura do politicamente correcto é de tal forma tirana que não reconhece a quantidade de cesarianas que há por necessidade imperativa do estado de saúde da Mãe ou da Criança. Eu por mim falo: estou na minha segunda gravidez, ambas de risco. Se por um segundo que seja uma cesariana puder salvar a minha Filha – como aconteceu com a primeira – nunca sequer hesitarei em avançar para a mesma se o médico assim entender. Mas é esta confiança que pode faltar a muitas grávidas que se sentem pressionadas pelo “que irão dizer”. Chega de ditadura! Desde que nenhuma lei seja desrespeitada, confiemos nos técnicos de saúde e deixemos alegrar pelo baixo número de mortalidade infantil.
E o que digo quanto às cesarianas é aplicável a quase tudo o resto: tão Mãe é quem dá à luz por parto normal como por cesariana. Tão Mãe é quem amamenta como quem nunca o fez. Tão cidadão é quem é a favor como contra cada uma das questões que se levantam na nossa sociedade desde que, isso sim, sejam respeitados os limites da liberdade de cada um, a dignidade do próximo e as regras que se resumem a ter boa educação.