Manuel Igreja
A Escola Agrícola do Rodo
Depois de ter pertencido a D. Antónia Adelaide Ferreira e à condessa de Beaumont, a Quinta do Rodo no Peso da Régua, ou mais concretamente em Godim, deu em boa hora nas mãos do Estado. Até aí, nada a distinguia das restantes quintas durienses. Era mais uma entre as centenas que nos encantam porque são resultado do árduo trabalho feito pelos durienses em pleno respeito pela natureza que embelezaram quem nem madame em salão de manicura, em vez de a destruírem. Caso quase único, mas é nosso.
Andava-se pelo iniciar da década de setenta do século passado, quando brotou e se desenvolveu a ideia de na Quinta do Rodo se implementar a Secção Agrícola da Escola Técnica da Régua, ela própria um excelente alfobre de técnicos de diversas áreas profissionais. Nos primeiros anos, as disciplinas técnicas de estrito teor agrícola eram ministradas na Quinta e as restantes com teores do ensino liceal, eram proporcionadas nas instalações da antiga Manutenção Militar, hoje Centro Escolar da Alameda.
Tive o privilégio e o gosto de passar por aqueles bancos de escola onde me foi transmito muito bom saber e algum do gosto que ainda perdura acerca das labutas do campo e da valentia e espírito de luta das gentes que vivem vidas em torno da terra que se granjeia e dos frutos que se colhem. No meu primeiro ano por lá éramos trinta e dois alunos e no segundo já íamos nos sessenta, transportados quatro vezes ao dia num pequeno autocarro branco com riscas verdes, pouco menos que encavalitados por excesso de lotação e porque felizmente o politicamente correto, mas exagerado, ainda não tinha feito escola.
A Secção Agrícola que foi minha porque a senti, foi de uma extrema importância em termos de Ensino, mas antes de mais porque teve primordial papel, enquanto oportunidade surgida para se desbravarem caminhos de vida numa época de vias estreitas. A possibilidade que ofereceu de alojamento foi uma inquestionável alavanca no elevador social para milhares de rapazes e de raparigas a par do Lar Feminino instalado no Quinta de Santo António, este, numa das encostas da Régua e surgido no mesmo contexto.
Em ambas as residências, se alojaram e se deleitaram adolescentes oriundos duma área geográfica desde Chaves, a Armamar, a Baião, a Mesão Frio, a Moncorvo, a Freixo-de-Espada-à-Cinta e por aí além, numa oportunidade justa e única pare se prosseguirem estudos fora do obrigatório e disponível em cada aldeia. Note-se que naquele tempo, o destino marcava a hora e o lugar quase sem hipótese de evolução e escasso de atitudes de negação. Ou se era filho ou filha de alguém com algumas posses e se ia estudar em regime de pensão paga em colégio ou em quarto alugado, ou se ia para o Seminário na maioria dos casos sem vocação de batina. Restava comummente seguir-se a amarga e escassa vida no arar e tratar dos campos com muita força e pouca paga.
Graças ao que se ergueu na Quinta do Rodo, a região de Trás-os-Montes e Alto do Douro e boa parte do norte da Beira Alta, tiveram sã e gente boa, que estudou, e que saiu dos estreitos, ancestrais e sufocantes limites da aldeia, porque viu mais mundo e aproveitou oportunidades novas sonhando e alargando horizontes. Obviamente que há gente que vislumbrou, que teve vontade, que sonhou e que fez nascer a obra.
Há nomes e há menções a referir porque fizeram sulcos profundos em muitas almas em sementeiras de esperança, escancarando janelas de modo a que o sol entrasse nem que fosse por uma nesga. Mas isso, fica para outra surriba, pois na vindima permanente nesta Quinta feita Escola ainda não chegou o tempo de se lavarem os cestos. Por agora basta que se ergam alguns cálices e se aprecie o nosso néctar à saúde de todos. Bem merecemos.