Luis Guerra
A Felicidade Interna Bruta
Ultrapassadas as recentes eleições autárquicas, com as suas vicissitudes próprias, é o tempo dos eleitos prepararem o mandato recebido, quer seja numa perspetiva de continuidade, para os autarcas reeleitos, quer seja para executar projetos políticos novos, para os que assumem novas funções.
Num caso e noutro, espera-se que o sentido de serviço público prevaleça no decurso do mandato, tendo sempre presente o desenvolvimento do município ou freguesia e a qualidade de vida das respetivas populações.
Obviamente, os conceitos de desenvolvimento e de qualidade de vida têm um certo grau de indeterminação, pelo que é suposto os programas políticos levados a sufrágio concretizarem de algum modo as ideias dos candidatos a respeito destes dois itens.
Ainda assim, é importante haver um mecanismo permanente de auscultação da população ao longo do mandato, quer quanto ao sentimento da mesma a respeito da sua qualidade de vida quer no que respeita à possibilidade de apresentação de propostas que visam o seu incremento.
Nesse sentido, iniciativas como os orçamentos participativos - já em vigor em alguns municípios portugueses -, referendos locais - previstos na lei, mas pouco utilizados e cujos resultados nem sempre são acatados pelos órgãos representativos -, consultas públicas – para além das obrigatórias no caso da adoção de planos e regulamentos urbanísticos -, e reuniões públicas dos órgãos autárquicos, só para citar alguns exemplos, são instrumentos que aprofundam a democracia participativa e que são, por isso, de saudar.
Por outro lado, como já tive ocasião de mencionar em crónica anterior, é útil contar com um instrumento de medição da qualidade de vida local, com recurso a fatores objetivos, que permita comparar a evolução absoluta e relativa de cada município a nível nacional, pelo menos no início e no final de cada mandato. É certo que, em Portugal, tem já havido algumas iniciativas meritórias nesse sentido, quer de universidades quer de outras instituições e empresas, mas sem a continuidade, difusão ou alcance suficientes.
Em qualquer caso, convém salientar que a escolha dos fatores avaliados pressupõe desde logo uma determinada conceção de qualidade de vida ou bem-estar, carecendo, por isso, de ser complementada pela perceção subjetiva das mesmas por parte da população. Por contraste, trabalhar apenas com a perceção subjetiva da felicidade pode ser insuficiente para aquilatar do progresso real das populações.
É nesse sentido que aponta o indicador de Felicidade Interna Bruta (FIB), que veio a ser proposto pela ONU desde há pouco tempo - como alternativa à contabilização do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que oculta as desigualdades sociais e económicas -, para medir o grau de desenvolvimento dos países, complementando o já existente Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
De acordo com o mais recente indicador FIB, Portugal ocupa o 58º lugar no ranking mundial de felicidade, numa lista liderada pela Finlândia e que tem a Dinamarca e a Suíça nas segunda e terceira posições, seguidas pela Islândia e os Países Baixos. Porém, como se pode verificar facilmente, esta ordenação não coincide com aquela que resulta da consideração do PIB (ou mesmo do PIB per capita) como único critério de avaliação do progresso dos países.
Assim, vale a pena conhecer os critérios que são avaliados para elaborar o indicador FIB, que se podem sintetizar deste modo:
Bem-estar psicológico: mede o otimismo que cada cidadão tem em relação à sua vida. É feita uma análise da autoestima, nível de stress e espiritualidade.
Saúde: analisa as medidas de saúde implantadas pelo governo, exercício físico, nutrição e autoavaliação da saúde.
Uso do tempo: inclui questões como o tempo que o cidadão perde no trânsito, divisão das horas entre o trabalho, atividades de lazer e educacionais.
Vitalidade comunitária: entra na questão do relacionamento e das interações entre as comunidades. Analisa a segurança dentro da comunidade, assim como a sensação de pertença e ações de voluntariado.
Educação: sonda itens como participação na educação informal e formal, valores educacionais, educação no que se refere ao meio ambiente e competências.
Cultura: faz uma análise de tradições culturais locais, festejos tradicionais, ações culturais, desenvolvimento de capacidades artísticas e discriminação de raça, cor ou género.
Meio ambiente: relação entre os cidadãos e os meios naturais, como solo, ar e água. Estuda a acessibilidade para áreas verdes, sistemas para recolher o lixo e biodiversidade da comunidade.
Governança: estuda a forma da relação entre a população e a comunicação social, poder judicial, sistemas de eleições e segurança.
Padrão de vida: análise do rendimento familiar e individual, segurança nas finanças, dívidas e qualidade habitacional.
Deste modo, agora que, ao fim de 45 anos de Poder Local democrático, os projetos autárquicos começam a dar sinais de esgotamento, seria importante que se dedicasse atenção a estes itens para poder aumentar a sensação de felicidade do povo português nos próximos quatro anos.
Ao fim e ao cabo, que melhor projeto político se pode conceber do que trabalhar para o incremento da felicidade da população em geral?...
Luís Filipe Guerra, juiz e membro do Centro Mundial de Estudos Humanistas