Manuel Igreja

Manuel Igreja

A Globalização

Nada acontece por acaso neste mundo, que utilizamos por empréstimo, para nele caminharmos rumo a um destino certo e igual para todos. As circunstâncias criadas e vividas são intrínsecas ao que cada qual fez e recebeu, mas está tudo ligado num encadeamento eterno e infinito.

Para reforçar esta ideia, o génio Albert Einstein disse do alto da sua enorme sabedoria, sem que dela fizesse alarde, que “Deus não joga aos dados com o Universo”, como forma de refutar a ideia de um indeterminismo elementar, como maneira de afirmar a ideia das interligações entre as coisas que entre si se determinam, causando consequências.

A Globalização e consequente estado das coisas, que condicionam o nosso quotidiano, como sempre, resulta da série de sucedimentos sem cessar, como o terminar destinado a cada um no instante em que fecha definitivamente os olhos.

Para simplificar, podemos dizer que a Globalização é um processo de integração económica, social, cultural e política entre os povos do mundo, tendo dela resultado uma das maiores mudanças na história da economia, a par da primeira que, para muitos sabedores destes assuntos, foi a do tempo das Descobertas marítimas, encetadas pelos portugueses e pelos espanhóis há cinco séculos.

Esta germinou nos anos oitenta do século passado, no auge da sociedade do bem-estar, quando as tecnologias começaram a permitir que do longe se faça perto, que se produza muito mais em muito menos tempo e com recurso a menor quantidade de mão-de-obra.

Naquele tempo, o saber científico estava em forma de quase exclusividade do lado de cá. O domínio das fórmulas, e o de como se conseguir a ultrapassagem das fronteiras do conhecimento técnico, ia sendo adquirido e desenvolvido, nas nossas academias e nos nossos laboratórios, permitindo, a cada momento, o surgimento de coisas capazes de espantar os mais atrevidos e mais viajados.

O mundo ia-se encurtando e os seres humanos começaram a ser quase pequenos deuses com novos poderes alicerçados em novos saberes. O admirável mundo novo despontava no cume da montanha com o luar a pratear a água do lago, onde nadavam os cisnes brancos por entre alguns que eram negros.

Sedentos de lucros, os grandes empórios industriais encontraram uma maneira de aumentar ainda mais os proventos. Olharam para ambos os lados do mundo e concluíram que existia uma desconformidade, uma injustiça que lhes dava jeito. Por aqui, os salários eram muito mais elevados do que no lado do sol nascente, onde grassava uma quase escravidão.

Convencidos de que eram muito espertos, deslocaram os meios de produção para o oriente, dando início a uma nova Globalização. Esta, em que usufruímos, para nosso contentamento, de coisas boas e de qualidade de vida, mas que assume, cada vez mais, contornos do tormento que está a fazer o nosso mundo descambar. O patamar do ter e do ser está a baixar.

Acontece que a Globalização tirou milhões de pessoas da miséria, ao mesmo tempo que colocava em causa e em perigo a nossa situação de conforto e de segurança, pois quase tudo se modificou, e o futuro deixou de ser o que era para quem se habitou a vê-lo como garantido, desde que houvesse o rendimento suficiente, porque se herdava ou porque se trabalhava.

Mas tudo mudou. Os ávidos de ter mais, em menos tempo, pensaram que os outros eram meros burros de carga, que podiam pagar-lhes a baixo custo a produção dos produtos, posteriormente comercializados, com elevado valor acrescentado, às classes médias e altas, sempre de apetite aguçado e necessidades acrescidas nos seus tranquilos modos de vida.

No entanto, as cosias descambaram. Nos países orientais souberam descobrir a fonte do saber e aprenderam com quantos paus se faz uma canoa. Foram-se tornando autónomos e causaram desequilíbrio financeiro e económico. Ultrapassaram mesmo aqueles que dantes deles se serviam. Ao longo dos anos, por sua vez, estes tiveram de nivelar por baixo os salários. Num dos lados subiu-se o nível, surgiu e alargou-se a classe media, enquanto ao mesmo tempo, no ocidente, esta quase se fez desaparecer.

Instalou-se o desespero e a revolta. Ruíram as instituições, espalhou-se o descrédito e desvalorizou-se a democracia. Apareceram e campeiam, agora, os vendilhões do templo e os falsos propagandistas de promessas, a quem as palavas não queimam no espalhar das mentiras e nos juramentos de amor à causa da liberdade.

Por isso, crescem os estremos, mirram-se o siso e a razão, aumentando a precessão indefinida sem cheiro, sem cor, sem contornos e sem sentido, só porque sim.



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