Barroso da Fonte

Barroso da Fonte

A História não muda: somos nós que mudamos

A poetisa Sofia de Mello Breyner Andresen, que desde 2 de Julho de 2014 repousa no Panteão Nacional, reconheceu que a «A cultura é cara. A incultura acaba sempre por sair mais cara. E a demagogia custa sempre caríssimo».

Ocorre-me este pensamento de uma das vozes mais lúcidas da Cultura Portuguesa dos finais do século XX, num tempo em que decorrem obras na Muralha medievalista que separa o Centro Histórico da antiga vila de Guimarães, desde 1953 promovida a Cidade Berço da Nacionalidade Portuguesa. Em 2019 deu-se um passo decisivo com a abertura, ao público, do passadiço da Torre da Alfândega, o que permite aos turistas percorrer um substancial pano da Muralha.

Na abertura desse passadiço o Presidente da Câmara foi muito claro, limpando as teias de aranha que, durante vários séculos, resistiram ao rigor dos tempos e da erosão. E por ali ficaram até aos nove séculos de História. Na circunstância, Domingos Bragança disse que «o nosso património deve ser bem cuidado, bem reabilitado e bem usado. E que possa abrir-se, na medida do possível, à fruição cultural dos vimaranenses e de todos os portugueses. O objetivo é compreendermos a nossa história. Estou certo que, ao percorrem o adarve, se vão dar conta da importância da ligação, entre os dois núcleos da cidade, a vila de baixo e a vila de cima; e do que isso representava para a fortificação do burgo vimaranense».

Estes e outros desafios se têm vindo a formular. E aqui os deixo como repto aos vimaranenses em especial e aos Portugueses em geral. Uns e outros fazem da História de Portugal um bem que se disputa,consoante as circunstância de cada um, como se a História fosse um arremesso de criança.

Leio no livro «Milicianos – os peões das Nicas», de Rui Neves da Silva, este pensamento: «em tempos de mentira universal, dizer a verdade é um ato revolucionário». E num provérbio de agenda de secretária reparo nesta definição: «a história do que existe, é a história do que existiu e do que há-de existir», explicando-se que «a história é a testemunha dos tempos, a luz da verdade, a vida da  memória e a mestra da vida».

Na edição do «Público» de 15 de Junho último, o sociólogo António Barreto assinou mais um dos seus memoráveis artigos, a que chamou: «A revisão da História – a nova idade das Trevas». Aí começa por confessar que «ainda não vimos nada. Ainda estamos para ver até onde vão os revisores da História». Mas uma coisa é certa, afirma este pensador duriense: «com a ajuda dos movimentos anti-racistas, a colaboração de esquerdistas, a cobardia de tanta gente e o metabolismo habitual dos reacionários, o movimento de correção da História veio para ficar».

Com o desenvolvimento deste tema atualizadíssimo, a partir do palco da Cidade Berço, analiso aquilo que pretendo veicular com este destaque de primeira página. António Barreto escreve que «serão anos de destruição de símbolos, de substituição de heróis, de censura de livros e de demolição de esculturas. E até de retificação de Monumentos, além da revisão de programas escolares e da reescrita de manuais».

Paro aqui a transcrição deste mestre do pensamento contemporâneo, para chamar a atenção daquilo que se viveu em Portugal, no ano de 2009, em Viseu, entre 16 e 19 de Setembro. Pretendendo fantasiar mais uma teoria histórica, o pelouro da Cultura Municipal local, dando seguimento intensivo a um medievalista com meio século de trabalho de investigação, até aí, louvável, conseguiu arregimentar apoios de várias proveniências materiais e morais. E através do «Congresso Internacional sobre Afonso Henriques e o seu tempo» urdiu um enredo para o nascimento do rei fundador que, à distância de nove séculos, não passa de um sonho delirante.

Foi um rotundo fracasso, como se pôde deduzir da informação publicada online pelo «JN» de 15 de Setembro, mas fornecida pela Lusa. Dessa notícia resultava «que a polémica tese sobre o nascimento de D. Afonso em Viseu fora avançada há 19 anos pelo historiador medievalista Almeida Fernandes, falecido em 2002». Aí se esclarecia que João Silva de Sousa, comissário-geral do Congresso, disse à agência Lusa que, logo quando Almeida Fernandes definiu Viseu como pátria de D. Afonso Henriques, recebeu cartas dos académicos da época, a darem-lhe o seu apoio, nomeadamente uma enviada, em 1992, pelo cónego Avelino de Jesus da Costa.

O comissário-geral dessas comemorações, docente universitário e genro de autor dessa polémica teoria, ainda teve a coragem de afirmar à Lusa que a «tradição diz que o nascimento foi em Guimarães,mas que a documentação diz que foi cá, em Viseu. E a documentação é mais importante do que a tradição».

Eureka! até que enfim João Silva de Sousa disse uma verdade: «a documentação é mais importante do que a tradição». Só que há uma absoluta falta de documentação: até agora, Julho de 2020, ela não existe, em lado algum. E, por isso, esse Congresso patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian e aberto por Manuela Mendonça, presidente da Academia de História, limitou-se a dizer que estivera lá um senhor major-general e um senhor coronel, especialistas militares. Mas este último também na qualidade de comandante do Regimento de Infantaria de Viseu. Quer os documentos, quer cartas autênticas – que não de parabéns e de agradecimento pelo livro recebido, como é usual – nem vê-las. Esse congresso serviu – isso sim – para idolatrar o sogro do comissário-geral que sonhou ser o «pai da história nova».

O testemunho de António Barreto acima mencionado,  «afirma que muitos pensam que a História é feita de progresso e de desenvolvimento. Esperam que se caminhe do preconceito para o rigor. Do mito para o facto. Da submissão para a liberdade». E o pensador duriense encerra este desabafo com esta convicção: «se as democracias não souberem resistir a esta espécie de vaga que se denomina libertadora e igualitária, mergulharão rapidamente em novas eras obscurantistas».

In 9 séculos – revista da Lusofonia demonstro esta incoerência histórica.

Barroso da Fonte


Partilhar:

+ Crónicas