Manuel Igreja

Manuel Igreja

A hora dos Biltres

Os biltres andam por aí. Poderosos, impantes, arrogantes, inteligentes, mas, vazios de emoções, como lhes é próprio. Convenceram-se que mandam, e mandam efetivamente, cada vez mais. São ricos, muito ricos e enriquecem mais a cada dia que passa porque influenciam e dominam.

Sorrateiramente, sem precisarem de estar escondidos nas suas tocas de lobo, desenvolveram capacidades, próprias de deuses menores e de feiticeiros, que lhes permitem levar cada vez mais gente e toda parte a gostar dos que eles querem e a pensarem como lhes é conveniente.

Está o século XXI com a sua segunda década decorrida. Cem anos depois do tempo em que no mundo se viveu o pior dos horrores de sempre, por causa da insanidade que grassou nos seres humanos toldados pelo ódio ao outro, e aí está de novo toda uma situação que em tudo se lhe assemelha.

Os bárbaros estão a chegar e as hienas andam soltas por entre o rebanho de cordeiros cada vez mais iguais entre si. Acercaram-se da cidade feita com ruas de decência e com largos de solidariedade, ladrilharam becos e avenidas com pedras feitas de medo. E dominam, pela calada da noite, e sem toques de alarme capazes de prevenir o assalto.

Nos campanários ouvem-se, de vez em quando, os sinos tocam a rebate, mas os fregueses, nas freguesias, nas vilas e nas cidades, não os escutam. Os ecos resvalam na carapaça das indiferenças, moldadas pelo algoritmo, nome dado à coisa causa das coisas, manivela de algo que poucos verdadeiramente sabem o que é ou como funciona.

Enquanto isso, os biltres, que como tudo indica, pretendem fundar o que referem como um admirável mundo novo, vão-lhe com os alicerces a meio. Olhando uma pessoa para longe que se pressente nos anos ainda por acontecer, facilmente enxerga os contornos de uma nova época. Mais uma no devir da humanidade.

Bem sei que, quem se der ao cuidado de olhar do alto do nossa saber e da nossa modernidade para as épocas que já foram, com facilidade se apercebe que as inquietações, acerca das novidades surgidas e a surgir, era muito como as que neste dias sentimos e eu mencionei.

O medo do desconhecido é quase uma questão de instinto. Não faltou nunca quem se benzesse com a mão esquerda perante coisas espantosas, tidas como obra do mafarrico, assim como também não faltou quem, apesar de muito inteligente culto, se manifestasse contra as modernas maquinarias. Está nos livros.

Mas agora é diferente e mais perigoso, não desconsiderando as muitas vantagens que as tecnologias do nosso tempo proporcionam. São inquestionáveis, na mesma maneira que o é o facto de os biltres existirem desde que o mundo é mundo no que refere à capacidade dos seres humanos terem noção de si e de se organizarem em torno daquilo que não é do mundo físico e terreno.

Os patifes estão iguais ao que sempre foram. Refinados e ladrões de almas e de teres e haveres. Proporcionalmente, se calhar até não serão mais do que antes. No entanto, o problema é que agem mais e melhor, num contexto em que, pela primeira vez surge a possibilidade de este ser o século em que os humanos começaram a perder face às extraordinárias máquinas que criaram e criam.

Contava o meu avô, que era um homem de anteontem que, num certo dia, o apóstolo Pedro alertou o seu Divino Mestre para o grande saber que os Homens iam adquirindo, por considerar isso como perigoso e desaconselhável para o equilíbrio das coisas.

Sossegou-o o Divino Mestre dizendo-lhe que se não preocupasse, porque, para colocar tudo no lugar devido, bastava que Ele lhes trocasse o tempo. O que será isso?



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