Teresa A. Ferreira

Teresa A. Ferreira

A impotência é revoltante

 

O dia começou, como todos os dias de estio - sol brilhante anunciando calor abrasador. Acordei cedo, e, num ápice, já tomava o pequeno-almoço. Fiz algumas tarefas - resolvida que estava em ir assistir à missa a Queijas, Oeiras. Gosto muito do Pe. Alexandre. As homilias, dele, são verdadeiras catequeses. Não me aborrecem e sinto que aprendo algo. Quando saio, trago aquela sensação de leveza e riqueza interior, que tão bem me faz.

Se bem o pensei, melhor o fiz.

Tomei rumo até Queijas. Estacionei o carro mesmo em frente à Esquadra da PSP. Desliguei o motor, mas os vidros continuavam abertos – eram quase 12 horas. Ainda dentro do carro, dei conta de que um casal se aproximava. Era gente que andava na casa dos quarenta anos, vestidos com roupa de desporto. Seguiam em passo normal e o tom da conversa era normalíssimo. Quando passavam junto ao meu carro, disse o homem para a mulher:

- Não me chateies mais. Vê lá se queres levar uma bofetada?

Fiquei em sobressalto e segui-os com o olhar. Atravessaram a passadeira e continuaram no passeio, sendo que a mulher se afastou um pouco dele. Saí do carro e continuei a observá-los. Aquela afirmação ficou-me a remoer cá dentro. Pensava para comigo:

– Grande filho d’uma égua. Merecias uma valente joelhada nos tomates. Metes-te com ela porque és um grande medroso. A ver se te metes com quem é mais forte do que tu?!

Olhei para a Esquadra, para ver se estava algum polícia a quem pudesse pedir ajuda para identificar o agressor. Nada. O calor do meio-dia obriga a que todas as almas recolham.

Fiquei a pensar:

- Que diabo de presente, de domingo, havia eu de receber!

Fui à missa e depois passei no mercado, onde comprei um piano de porco grelhado (costela) com batata-doce frita – também tenho direito a dar-me folga do fogão.

Mas o caso, ou descaso, sei lá, não me largava. Toquei à campainha da Esquadra. Conversei com um polícia. Nada a fazer. Não conhecendo o agressor e a vítima…

Que situação tão complicada, meus caros amigos!

A vítima, por demais habituada à situação de violência doméstica, torna-se impotente para agir em sua defesa. Não consegue encontrar forças e autoconfiança para atuar eficazmente contra o agressor e livrar-se dele. As humilhações constantes, a que se vê sujeita, enfraquecem-na lentamente até se tornar numa marioneta e saco de pancada. Ninguém tem prazer em viver deste jeito. O que a aprisiona e condiciona, é ter a autoestima destruída, fazendo com que não consiga libertar-se do agressor. Enquanto não aparecer alguém, de fora, que lhe estenda a mão e a ajude psicologicamente, este ciclo não terá fim.

Quanto ao agressor, permitam-me – GRANDE BESTA –, não é o meu foco imediato, mas a vítima, que precisa urgentemente de ajuda. Não tenho forma de a ajudar. Nunca vi o casal; não sei quem são, nem onde moram. Que raiva! Esta história, vivida e sentida, devora-me até às entranhas.

Perdi a batalha de hoje. Quem sabe se não há outras vítimas que, ao lerem este texto, possam refletir sobre a sua vida. Quem sabe se um vizinho, conhecedor de um caso de violência doméstica, resolve denunciá-lo às autoridades - de forma anónima, se preferir.

O ser humano não nasceu para ser infeliz, humilhado, levar pancada, abusado sexualmente, etc.

Peçam ajuda às autoridades, ao médico de família, à APAV, liguem gratuitamente para o 800 202 148 ou mandem um SMS para 3060.

Ajam antes que o agressor vos destrua completamente.

Eu podia ter ficado quieta, assobiando para o lado - até nem era nada comigo! Podia. 

A indiferença mata tanto quanto a agressão. 

 

 

Crónica:  

© Teresa do Amparo Ferreira, 31-07-2022 

Natural de Torre de Dona Chama,

Mirandela, Bragança, Portugal. 

 

 

 


Partilhar:

+ Crónicas