A (in) dignidade dos animais de companhia
Na última semana, o país foi confrontado com a tragédia que se abateu sobre dois abrigos para animais localizados na Serra da Agrela no concelho de Santo Tirso na sequência de um incendio florestal de grandes proporções que acabaria por tirar a vida a dezenas de cães e gatos que lá se encontravam.
Esta tragédia veio colocar à tona uma realidade existente em todo o país que se prende com os inúmeros abrigos de animais clandestinos sem qualquer licenciamento por parte das entidades competentes e sem as mínimas condições de higiene e salubridade.
Acresce a essa realidade a que o Estado se tem demitido e varrido para debaixo do tapete, o desgaste das pessoas responsáveis pelos abrigos que denotam uma evidente falta de condições psicossociais para desempenharem essas funções.
A sobrelotação em que os abrigos se encontram agravou-se com a proibição do abate dos animais, mas sem que tenham sido implementadas medidas como a criação de um plano nacional de esterilização com vista a evitar a sobrelotação dos abrigos destinados aos animais, o que inevitavelmente contribui para a acumulação dos mesmos que não são adotados ao ritmo que seria desejável.
Nem a propósito e por mera coincidência ou talvez não, a Assembleia da República deu mais um sinal de progresso civilizacional ao ter aprovado no final desta semana a revisão do regime sancionatório aplicável aos crimes contra animais de companhia que veio autonomizar o crime de morte de um animal de companhia no artigo 387.º do Código Penal que até então apenas os maus tratos a animais de companhia encontravam-se previstos e objeto de punição no sentido de que “quem, sem motivo, legitimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”.
Com a revisão agora levada a cabo e que se assinala, a nova redação do referido preceito legal passa a ser a seguinte: Quem, sem motivo legítimo, matar animal de companhia é punido com pena de prisão de seis meses a 2 anos ou com pena de multa de 60 a 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal (nº 1 do artigo 387.º do CP).
Ressalva para o facto de que se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o limite máximo da pena referida no nº1 é agravado em um terço conforme o nº2.
De acordo com o disposto no n.º 5, são suscetíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade:
i) o emprego de tortura ou ato de crueldade que aumente o sofrimento do animal;
ii) a utilização de armas, instrumentos, objetos ou quaisquer meios e métodos insidiosos ou particularmente perigosos; ou
iii) o/a autor/a do crime ser determinado pela avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou por qualquer motivo torpe ou fútil.
De acordo com os dados do Relatório Anual de Segurança Interna referente ao ano de 2019, verifica-se que os crimes contra os animais de companhia representaram 0,6% da criminalidade registada no país. Dos 2.014 crimes registados, 1.213 são referentes ao crime de maus tratos a animais de companhia e os restantes 801 crimes correspondem ao crime de abandono de animais.
E por falar em criminalidade, importa ter presente que a violência doméstica e de género, muitas das vezes tem início com o abuso e até mesmo com a morte de animais que coabitam no agregado familiar. Os estudos dizem que as pessoas que agridem animais de estimação são mais propensas a cometerem atos violentos contra pessoas, nomeadamente mulheres, sendo este um sinal a que todas as pessoas têm de devem estar atentas.
Como não podia deixar de ser, a promoção do bem-estar animal e a sua inerente proteção assume-se cada vez mais como uma prioridade que tem registado avanços civilizacionais muito assinaláveis como a criminalização dos maus-tratos, do abandono e mais recentemente da morte, sem esquecer o reconhecimento dos animais como seres vivos dotados de sensibilidade, deixando assim de serem considerados como “coisas” através da criação de um estatuto jurídico próprio.
Como dizia o grande Mahatma Gandhi, “a grandeza de um país e o seu progresso podem ser medidos pela maneira como se trata os animais”. Não nos esqueçamos disso!
Mónica Teixeira - ADVOGADA