Alexandre Parafita

Alexandre Parafita

A metáfora do sapo fanfarrão

            Um povo culto, ainda que não erudito, é exímio no uso das metáforas. Assim o tenho percebido na estreita relação que mantenho com alguns dos grandes sábios transmontanos, mestres da tradição oral, onde vou colhendo metáforas que são figurações muito pertinentes nos tempos em que vivemos. Como esta de um sapo fanfarrão que passava o tempo a gabar-se junto das rãs. Dizia que era o melhor em tudo, que não havia quem lhe passasse a perna. Nisto, estava ele com a “cantilena” do costume, foi calcado por um boi que o mantinha preso sob o casco.

            – Estás aflito? – perguntaram as rãs.

            – Bô?! Estou a segurar este boi pela pata, para que não caia! – responde o sapo

            Por fim, com tamanho peso em cima, começaram a sair-lhe as tripas, e, de novo questionado pelas rãs:

            – E agora? Estás aflito?

            Ele respondeu:

            – Não. Estou a segurar as correntes do relógio.

            Certamente, ainda lá estará a enganá-las ou a enganar-se a si próprio. Quando se persiste no discurso, ou na obsessão, de que “somos os melhores”, mas os estudos dizem que 43,5% (4,48 milhões) de portugueses se encontram em risco de pobreza, ou que Portugal está a caminho de cair para “o terceiro país mais pobre da União Europeia” (Expresso, 3-5-2022), colocamo-nos também na posição daquele sapo que, nem com as tripas de fora, conseguia assumir a complicada situação em que estava.

            Joaquim Miranda Sarmento, um eminente especialista em Finanças Públicas, escreveu uma obra que qualquer político hoje deveria ler (“Portugal, Liberdade e Esperança – uma Visão para Portugal 2030”, Bertrand, 2021), onde, evocando a lição de Esopo, concluiu: “Enganar-se a si próprio pode levar à autodestruição”. Recorreu a Esopo, pois claro. Ou não fosse ele o grande mestre das metáforas. Tal como os sábios transmontanos.

(In Jornal de Notícias, 27-5-2022)

 


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