Manuel Igreja
A Mulher de César
A mulher de César, não mais tem de se preocupar em parecer séria. Em sê-lo, então muito menos. Pode escorregar na calçada, pode saltar a cêrca, ou fazer qualquer outra coisa que lhe aprouver. Neste nosso tempo, nada lhe fica mal e pouco ou nada se lhe exige em termos de comportamento, desde que descoberto o pecado, exiba arrependimento.
Noutras eras ainda não muito distantes, quando se não confundia a cara com o careto, nem a estrada da Beira, com a beira da estrada, exigia-se-lhe que enquanto figura pública designada e mencionada, fosse a primeira nos bons exemplos e a última nos desvios por maus caminhos. Exemplo dos exemplos, tinha obrigatoriamente de parecer imaculada.
Como hoje, tinha então a mulher de César acesso a coisas fora da mão dos comuns mortais, que lhe delegavam poder, mas tinha simultaneamente obrigações exclusivas. Não podia nunca ficar mal no retrato aos olhos de quem acima de tudo lhe exigia que assumisse papel de farol e de timoneira na barca que atravessa a vida. Quando tremesse a sua imagem, restava-lhe o limbo em vale de lágrimas.
Não seriam decerto anos melhores e com vidas mais repletas mas pelo menos sabiam-se os limites do certo e do errado e os contornos absolutos do ético. A moral era então valiosa e absoluta, mesmo que obviamente não fosse permanente. Havia muito de mau, mas certos valores eram eternos e pareciam infinitos e infindos por serem inquestionáveis.
Mas como dizia o nosso maior poeta que cegou de um olho, mas via para lá de onde a vista alcança, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Por isso há quem future que sendo a mulher de César, somente lhe basta o acto de contrição e juras de que se aprende com os erros, algo muito próprio da condição humana. Tudo vela a pena, tem-se, em pensamentos de alma pequena.
O mundo da mulher de César, antes de tudo está na política, a mais nobre arte desde que o homem desceu das árvores e se organizou em comunidade alicerçada na inteligência acabada de germinar. Por isso as suas atitudes nos dizem respeito. Sabe-se disso, e por isso amiudadamente nos dão bolos e nos tentam fazer de tolos. Infelizmente ela fez por essa via com que passasse a ser olhada como uma desacreditada rameira. Não conseguimos vê-la como a dama que se deve ser.
Andou mal, por exemplo, quando lhe deitaram salpicos e acusaram de receber prebendas escusas, quando a acusaram de obter diplomas universitários a pataco e sem queimar pestanas, e andou mal quando não cumpriu com obrigações de cidadania primárias. Pensou então que lançando fumos para a plateia em jeito de artista em palco, conseguiria escapar por entre os pingos da chuva que nos atazana o quotidiano e nos encharca a esperança em dias melhores.
Perdeu o tino, a mulher de César. Foi o que foi. Aqui e ali, em todo o lado. Por isso é desamada por toda a gente. Até na Grécia, berço da nossa civilização, onde se não coibiu de exibir mesa farta aos olhares de quem lhe falta mísera côdea.
Pode ser que se regenere. Não sei. O que sinto, é que nos vamos vendo cada vez mais gregos pagando os seus e os nossos pecados. A mulher de César não ganha juízo. É uma doida.