Manuel Igreja

Manuel Igreja

A Pobreza

Dizia a minha mãe que Deus haja, que ninguém é pobre se não de espírito. Isto, afirmava apesar de ver pobres em seu redor a quem nunca faltava, pois no seu enorme bem-quer não deixava necessitado a quem não auxiliasse com um pedaço de pão sempre acompanhado. Com isso e com mais algo que unicamente se sente, todo o desinfeliz se sentia distinguido e igual a todos os demais. Ombro com ombro.

No entanto, sabemos que a pobreza vivida com a muita falta de muito pouco para mero aconchego do estômago, sendo grave vergonha, que existe e se agrava desde o tempo em que os seres humanos decidiram individualmente deter mais repartindo por cada vez menos o que há e o que existirá.

Até ao evento da idade moderna, época das luzes e das grandes transformações sociais e estruturais, ser-se pobre era condição sem remedeio nos entrementes entre o se nascer e o se morrer. A escada era fixa com os degraus inamovíveis e sem alcance de baixo para cima. Os frutos nos galhos mais por cima eram inatingíveis a quem estava nos debaixo.

Depois e até nós as coisas foram-se alterando e felizmente melhorando ainda que não tanto como o possível e muito menos que o desejável. A pobreza deixou de ser condição sem remédio para ser situação. Passou a ser ferida curável para alguns, mas continua a ser chaga que dói e lume que destrói quem a sente mas que deve envergonhar com a permite. Sem limite.

Passamos pelo século das luzes, inventámos maquinarias e tecnologias, produzimos muita mais riqueza em muito menos tempo e sem tanto trabalho, mas não evoluímos. Como desde que o mundo é mundo, os egoísmos são soberanos e os instintos primários manietam-nos ainda nos pecados, nas virtudes e nas atitudes.

Vemos a pobreza sob a forma de vultos e disfarçamos. Quando queremos ajudamos. Por caridade ou por bondade, para parecer bem, para embriagar a consciência ou para ganhar um canto um pouco mais alargado no céu, auxiliamos, contribuímos e fugimos.

Mais porque nos quer agradar do que por verdadeira missão de dever e de saber fazer o Estado por sua vez contribui cada vez com mais recursos porque as vítimas da fome não param de crescer em número. Existem por toda a parte e de todas as idades.

No entanto, ele que somos todos enquanto coletivo, e nós cada um por si, tendemos a esquecer-nos que a pobreza é antes de tudo uma injustiça e uma sonegação da condição humana, pois a pobreza é em primeiro lugar uma questão de falta de justiça. Os seres humanos nascem para serem felizes como prova essa busca incessante na vida de toda a gente minimente consciente. Ser feliz é o mais profundo anseio nos jardins secretos onde medram os desejos.

O comer é mero pretexto para o seguir no caminho, mas é também a necessidade primária quer permite o viver. Por isso erramos quando damos e não ensinamos que uma pessoa para ser inteira é matéria, mas também é espírito. É barriga, mas também é cérebro, emoção, sensação e aprendizagem.

Dentro das nossas preocupações sociais tarda a surgir a noção de que ser humano algum é pobre. Quem não tem os recursos mínimos está pobre. Não é pobre pois nascemos todos iguais. Por isso se impõe que no imediato se ajude, se colmate para que a lazeira não mate, mas urge que se ensine e se trabalhe de maneira que quem na pobreza vive, adquira competências que lhe permitam romper o seu círculo condicionado e condicionante.

A nossa mente é o que nos faz, mas também é o que nós fazemos dela e com ela nos quotidianos que conquistamos e que nos são permitidos ter enquanto não morremos. Por isso não nos podemos perder. No meio da floresta desigual a identidade individual deve ser sentida e respeitada.

Quando cada qual se vir olhado como especial, cada espírito se enriquece e se enobrece tendo-se como capaz de tudo, inclusivamente e até do que vai fazendo sem saber que aquilo era impossível de ser feito antes de o ser.

Então, todos seremos mais ricos porque haverá menos pobres.



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