Manuel Igreja
A ponte pedonal da Régua
Num mais imediato modo de ver, uma pessoa olha para uma ponte e pouco importância lhe dá além daquela que lhe é intrínseca. Tende a vê-la como um meio que serve para se atingir o mero fim de se atravessar de uma para a outra margem de um rio.
Mas não. Basta que se dê um pouco mais a atenção e logo se descobre em cada uma a sua particularidade em termos estéticos, o seu contexto histórico e em algumas situações as condições particulares de conjuntura que levaram a que em dado momento surgisse a decisão de se deitarem mãos à obra para a sua construção.
A agora Ponte Pedonal da Régua é um caso que bem merece muita atenção e que dela muito se fale. Mas antes de mais, comecemos pelo Peso da Régua que a ela se une e a quem ela une. Falar da Régua de mais junto ao rio Douro, em termos do que lhe deu origem é falar antes de mais, de travessias, confluências e oportunidades.
A sua situação geográfica explica a sua origem. As condições de travessia do rio Douro a seus pés desde sempre levaram a que neste ponto as pessoas dos arreadores fizessem da água um pouco mais de caminho. Antes encavalitadas numa barca ou mesmo a pé quando ele se diminuía e deixava ver o seu fundo, e depois utilizando a ponte que em boa hora se construiu.
Durante séculos foi isto e pouco mais. Casario e urbe, só lá no alto no Peso e desde pelo menos a Idade Média. Daí para baixo, só vegetação cultivada ou à espera de o ser. Isso, até que se implantou e se construiu o edifício da Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro. Desde aí que foi em 1790, junto ao rio passou a ver-se um mar de gente.
Porque todas as pessoas de todas os arredores começaram a ter de vir à Régua tratar de assuntos do vinho e da vinha, mas também para se abastecerem de utensílios e de mantimentos, do rodopio resultou o construir de casas que deram forma às ruas e urbe que se ergueu rapidamente e a olhos vistos.
Todos confluíam para a Régua a fim de tratar das coisas da vida quotidiana e em busca de negócio. As oportunidades de se fazer casa rica brotavam que nem gamões em vinhedo a florir. A dinâmica foi imparável ao ponto de em duas ou três décadas a Régua se tornar numa terra capaz de ombrear ou de suplantar as que se lhe eram e são vizinhas.
A passagem de barca deixou de se dar. Teve, pois, de se construir a ponte com os seus belos arcos de aço. Desde logo não lhe faltou trânsito. Carros de bois com pipas de vinho, pessoas movidas pelos afazeres do dia e pessoas que seguiam em jornadas mais longas, por ela passaram sem se encantarem porque não era esse o mote. Mas estou certo de que não faltou quem sobre ela chorasse.
A estação do comboio da Régua era o local dos derradeiros abraços na eternidade dos últimos minutos antes da partida da locomotiva rumo ao mundo que se desconhecia, mas que se ia conquistar. Era ali o último adeus antes do regresso que sempre tardava em se fazer acontecer.
A Ponte Pedonal que hoje vemos, foi muitas vezes o átrio de entrada do mundo novo e os últimos metros das aldeias que se deixavam para trás. Nela ficaram sulcadas as angústias das despedidas, mas também nela ficaram plantadas as sementes das esperanças que despontavam.
Por isso dá gosto vê-la agora toda garbosa e engalanada como testemunho da época em que os durienses começaram a erguer a obra sem medida que na modernidade espanta pessoas de todas as partes do mundo. Ela faz parte desse encanto. Não é uma miragem.