Alexandre Parafita

Alexandre Parafita

A propósito das touradas

Mais uma das habituais petições, que sempre dão em nada, está a correr nos mailings e redes sociais, exigindo ao governo e demais órgãos de soberania o fim das touradas. Os argumentos são válidos e fáceis de expor: hoje em dia é inadmissível, sob o pretexto da tradição, promover espetáculos com tortura de animais para diversão do público. E subsidiá-los, enquanto atos culturais, ou permitir a transmissão televisiva em estação pública, pior ainda.

Os argumentos são válidos, bem se sabe, mas de que vai valer a petição? Hoje recorre-se, por tudo e por nada, às petições online, por serem recurso fácil, para pressionar o poder. Contudo o poder sempre pondera prós e contras e protege-se com o deixa andar habitual, pelo menos enquanto o prato da balança não se desequilibra de modo evidente.

Quanto a mim, que sempre respeitei as tradições, estou à vontade em relação a elas. Sei bem que muitas têm os dias contados. Morrerão por si. E ainda bem. Mesmo que hoje as gerações mais antigas encontrem alguma “nobreza” nas touradas, capeias, chegas, corridas picadas e garraiadas, virão novas gerações que as acharão ridículas. O que é feito das “queimas do gato”, “lutas de galos”, “enterro do galo”, “touradas de morte” e até das próprias “matanças do porco”, outrora rituais festivos imprescindíveis na rotina dos povos? Isto para não falar, em contexto diverso, das sangrentas autoflagelações de pessoas nas procissões. E tudo sempre em nome da tradição. Só que a tradição é também sinónimo de transmissão renovada do passado. O que vale por dizer que os padrões éticos e estéticos que a compõem vão evoluindo com o tempo, e quando a natureza simbólica se desajusta da sua natureza ritual e do deslumbramento estético que representam, as tradições renovam-se por si mesmas, ou extinguem-se por inúteis. E se delas ficar a memória, já não é mau.

Esperem, pois, pela geração que aí vem, a geração dos que hoje são meninos, e que nas escolas ganham laços de ternura e uma nova consciência dos direitos dos animais (justiça feita ao PNL com as suas valiosas sugestões: “Animais em família” de Lorrie Mack; Os meus animais” de Xavier Deneux; “O eco da ecologia” de Luísa Ducla Soares; “A arca de Noé” de Pedro Strecht; “Os animais não se devem vestir” de Judi Barrett; “Animais zangados” de William Wondriska; “Canção de embalar dos animais” de Madeleine Deny; “A ovelhinha preta” de Elizabeth Shaw; e muitas outras de Letria, Torrado, Zimler, Seromenho, Alice Cardoso, Isabel Barcelos, Benoit Debecker…). Veremos então se tais “tradições” se aguentam.

(in JN, 14-8-2017)


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