Manuel Igreja

Manuel Igreja

A questão do Gás: Pobres e mal-agradecidos

Uma das coisas que aprendi ao longo da minha vida, foi que mais importante que o que se diz, é a maneira como se afirma.

Outro ensinamento da experiência feito, diz-me que as coisas em si mesmas não valem nada. Estão ali e por aí quietas ou a mexer no seu modo de estar até que cada pessoa as veja e lhes atribua um valor. Somos pois então nós quem lhes acrescenta o valor através da maneira que as vemos com aquilo que temos.

Com as palavras, também assim sucede ainda que não tão completamente, pois como sabemos, depois de proferidas, são como pedras atiradas que já se não podem recolher. Por isso, já diziam os antigos que cada qual é dono do seu silêncio e escravo daquilo que diz.

Significa isto que as mesmas palavras ditas por pessoas diferentes podem não ter o mesmo valor e não atingem cada recetor da mesma maneira. No fundo, individualmente podemos e devemos atribuir às afirmações sempre um valor relativo e um enquadramento mediante quem as verbaliza. Por isso é que perante certas afirmações de algumas pessoas, só nos resta atribuir-lhes o cartão de atolambado para que se não levante a fervura.

Mas indo ao gás, antes que o assunto adormeça no aconchego do tinteiro ou até que este fique seco ao ponto de nele não escorrerem mais palavras e antes que nos falte o gás, a mim para escrever, e a vossas senhorias pare ler aquilo que dele brota por entre as pontas dos dedos que dedilham e rendilham o escrever.

Acontece que por causa da situação de guerra em que nos estamos a ver envolvidos, felizmente ainda indiretamente em termos de destruição e de morte, a União Europeia propôs que os países dela membros reduzam em 15 por cento o consumo de gás durante uns meses, porque a quantidade no abastecimento está a ser drasticamente reduzida e nada tarda irá faltar muito o gás a muita gente.

Perante isto o governo da nossa Nação através do ministro do Ambiente veio logo para as televisões dizer que nem pensar. Redondamente que não senhor nem pensar. Argumentou com a falta de água que não permite a produção de eletricidade pela via hídrica e com mais umas coisas nomeadamente que Portugal pouco gasta desse produto vindo da Rússia e que mesmo que o tenha cá, não o pode enviar para outros países da Europa por falta de tubagens suficientes.

Até aqui nada de mais e tem sua excelência razão. A gente sabe que o não existirem interligações energéticas suficientes e eficientes, advêm da posição da França que produzindo muita eletricidade barata com as suas centrais nucleares não lhe interessava a concorrência, assim como sabemos que se a Alemanha hoje está refém da Rússia em termos energéticos isso se deve à falta de visão ou à sobreposição dos interesses de uns poucos que nada ligaram ao que se recomendava estrategicamente para muitos.

Mas também sabemos que se a Europa, a nossa, está neste ponto, isso se deve a erros que não são erros, porque foram cometidos insanamente por interesses imediatos dos que a dado momento influenciavam ou mandavam. A ganância sem medida deitou sombra sobre a visão dos que por obrigação de ofício têm de ver muito à frente no tempo.

Quando se desmoronou a União Soviética, os sacanas sem lei de lá, tomaram o poder e aforraram-se com as riquezas do império a seu bel-prazer sob o beneplácito dos sacanas que fazem a lei no lado de cá. O ouro surripiado escorreu direitinho e em caudal para os cofres de Londres e afins, e todos assobiamos para o lado deixando-os andar de mãos soltas embebecendo-nos com o seu esplendor.

Mas ainda não disse a razão de pensar que o nosso governo se mostrou um pobre mal-agradecido pelo menos na forma como de roldão se expressou. Tenho para mim que para um país que se habitou a andar de mão estendida desesperadamente à espera que da União Europeia jorre dinheiro para os gastos que são sempre maiores que o produzido, se impõe mais comedimento na recusa.

Quando mais que nunca se urge ser-se solidário na velha Europa, o ministro errou quando com ar pimpão veio para a televisão dar um rotundo não. Bem se sabe que foi para inglês ver, mas esteve mal. As coisas são para serem ditas e tratadas nos locais próprios antes de virem para praça pública que anda pelas ruas da amargura.

Sem subserviência e sem hipocrisia, devemos fazer ver os nossos pontos de vista cedendo onde temos de ceder, e fincando o pé onde temos de fincar, mostrando sempre agradecimento e solidariedade, mais não seja porque passamos a vida a apelar a ela. O Estado é assim que deve agir, e o estado a que isto chegou a isso obriga.


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