Luis Ferreira

Luis Ferreira

A quinta avenida

Ir a Nova Iorque e não ir à 5ª avenida é como ir a Roma e não ver o Papa. É obrigatório. É um ritual que todos fazemos com gosto, seja em Nova Iorque seja em Roma. Mesmo assim todos esperamos ver o que nos leva lá realmente. Deslumbramo-nos com a grandiosidade, com as luzes, com as montras e com o que por lá se vende, ainda que não possamos comprar o que mais nos cativa. Ficamos somente pela superficialidade e vamos navegando docemente, sem nos cansarmos para não corrermos o risco de nos afogarmos. Mas afinal esta avenida é somente uma entre muitas outras, não nos deixemos enganar pelas aparências. O que há nesta também existe nas outras, só que a outros custos. Temos que escolher bem o que queremos. Os nossos bolsos não assim tão fundos!

Pois este fim-de-semana não fomos nem a Roma ver a sagração de Tolentino nem a Nova Iorque ouvir as asneiras de Trump. Ficámos por cá, a refletir para escolher qual a avenida onde iriamos comprar o que mais nos poderia cativar e se estaria de acordo com a fundura dos nossos bolsos. Mas muitos, demasiados, não escolheram nem foram à avenida mais próxima de casa ver o Sol brilhante que poderia iluminar e esclarecer as mentes mais fechadas.

Pois é. Por vontade de alguns acabava-se o leitão da Bairrada, a posta Mirandesa, a feijoada à Transmontana, os bifinhos com champinhons e outros pratos quejandos. Não podemos matar os animais! Comer mesmo, só sardinha, carapau, camarão, vieiras, berbigão, gambas e gambão, ostras, amêijoas, lagosta e lagostim, santolas e percebes. Enfim. Somos ricos e já que ficamos sem poder saborear a bela carne que criamos, vamos à pesca. Saímos do prado e vamos ao mar que é largo e tem muito peixe. Bem, afinal parece que não vai ser bem assim. Era o que faltava!

A realidade destas eleições não é muito diferente do que estamos habituados. Ganhou o PS e já contávamos com isso. Costa talvez quisesse mais, embora não o pedisse diretamente, mas cada um tem o que merece. O PSD cresceu depois de lhe terem dado inicialmente 19 a 20% nas sondagens. Se cresceu, teve uma vitória ainda que pequena, mas ficou mal no espectro político. O BE não atingiu o seu último score, mas possivelmente não lhe vai servir de nada. A geringonça a que estava habituada não vai funcionar. A CDU não atingiu os seus objetivos e não conseguiu manter os seus deputados. Pior está o CDS que vê baixar muito o seu grupo parlamentar e a sua líder demitir-se com a dignidade a que ela nos habituou. Enfim. Enquanto uns crescem, outros baixam e hoje são uns, amanhã serão outros. É a política e a vontade dos portugueses a funcionar. As vitórias e as derrotas são sempre momentâneas. Nem sempre se ganha e nem sempre se perde. Sabe bem ao PS ganhar hoje, mas há quatro anos não teve essa sensação e sabe o que é perder. Curioso é os partidos mais pequenos e que não ganham qualquer expressão de nota, exceptuando o Livre e o Chega, terem recebido cerca de 7 ou 8% dos votos dos eleitores quando a abstenção rondou quase os 50%. Isto é que é muito mau. Se nos questionarmos sobre isto e virmos que metade da população portuguesa ficou em casa e não votou, será lógico perguntarmos quem ganhou de facto estas eleições.

Agora que dá a impressão de estarmos na quinta avenida onde tudo é luminosidade, brilho, grandiosidade e enriquecimento, resta não nos ofuscarmos com essa luz fictícia, pois o custo de vida aí é demasiado caro e alguém terá de pagar e pagam sempre os mesmos. O PAN, o Livre e o Chega, parecem estar a viver momentos extraordinários como se estivessem na 5ª Avenida, mas cuidado. Dos nossos bolsos tem saído demasiado dinheiro para pagar as dívidas de quem anda pela 5ª Avenida e isso não pode continuar. Ainda agora se noticiou que teremos de pagar 30 milhões pela dívida à Caixa da clínica Maló. E perguntamos porquê? Porque este governo vai deixar que assim seja, claro.

Assim sendo e uma vez que o PS não vai precisar de fazer uma geringonça visto ter maioria e ser indigitado a formar governo, restar-lhe-á simplesmente fazer alguns acordos pontuais sobre matérias mais sensíveis com os partidos que estiverem disponíveis e de acordo com ele. Claro que tanto o BE como a CDU estão à espera dessa altura e mesmo até o PSD como afirmou o seu líder, a bem de Portugal, claro. Não interessa tanto saber que a Catarina Martins diz que o BE vai exercer o seu mandato, arvorando a sua vitória e crescimento, como dizer que a direita foi a grande derrotada. Não interessa nada. Quem vai governar vai ser o PS e quando precisar de algum voto vai beber um café à esquina com o Jerónimo, com a Catarina ou com o Rio e os outros ficam todos invejosos. É assim na política. Mas nem o governo socialista vai ser a 5ª avenida, nem o Vaticano. Não se enganem. Nem vai haver o deslumbramento da 5ª avenida nem a paz de espírito do Vaticano. Se pensam que os salários vão aumentar, enganam-se. Se pensam que os sete anos que roubaram aos professores para pagar as dívidas aos bancos, lhes vão ser retribuídos, enganam-se. Se pensam que as pensões vão aumentar, enganam-se. Se pensam que as greves vão acabar, enganam-se. O deslumbramento da 5ª avenida vai acabar e depressa.

Fica-nos somente a sombra das árvores da avenida da Liberdade. E daqui a quatro anos, na melhor das hipóteses, usem novamente a liberdade para eleger novo governo.


Partilhar:

+ Crónicas

Condenado e Presidente

Ondas Negras

A aventura de Ventura

Sem trunfos na manga

Indecisões

Sem tempo e sem palavras

Por trás da corrupção

Trapalhas em S. Bento

50 amos de memórias

E se acorda rebentar?