Manuel Igreja
A Regata do Douro Vinhateiro
No momento em que a caneta sulca a folha em branco ziguezagueando para desenhar as letras, ainda não aconteceu a Primeira Regata do Douro Vinhateiro anunciada para o dia 10 de setembro, data comemorativa da demarcação da Região em documento assinado pelo rei D. José I e que lhe foi levado em mão pelo senhor marquês de Pombal. Deus os guarde.
Os barcos rabelos ainda não zarparam de Gaia, mas vão zarpar nada tarda, para deslumbre de quem os avistar e para contentamento de nós todos a quem dá para vibrar com tudo o que mexe neste bendito, mas tão desprezado território apesar de muito ser gabada e celebrado.
Pode parecer uma coisa assim de pouca monta semelhante empreitada, mas atrevo-me com licença de vossorias a garantir que não o é. Por todas as razões e mais algumas, a iniciativa é de se lhe tirar o chapéu mesmo que não seja o das Confrarias dedicadas aos vinhos do Douro.
O Barco Rabelo é um símbolo. Ou melhor, é a mais genuína e representativa forma de se concretizar a essência do Alto Douro Vinhateiro. Por décadas foi no seu bojo que se acartaram pipas e mais pipas de vinho até ao porto de armazenamento e embarque rumo ao mundo que já ao tempo tinha a sorte de se deliciar com o néctar dos deuses por aqui criado.
Ficassem as colheitas por cá, e ainda hoje quase tudo estaria a monte sem granjeio. Bem sabemos que os proveitos foram desde início levados sem alimentar grande chão nosso, mas isso é vinho de outra pipa. Também sabemos que a cidade grande junto ao mar é o que é mercê disso, mas as circunstâncias são o que são e só nos resta exigir respeito e justiça.
Depois, seguindo a lavra da folha, temos que o Barco Rabelo antes do comboio, foi um verdadeiro instrumento estruturante da região. Através do rio de mau navegar, viajaram pessoas que vierem e não regressaram para fazer por aqui vida, e levaram-se e trouxeram-se mercadorias que nos moldaram os hábitos e nos cimentaram a identidade.
Hoje parece fácil e romântico como quase tudo aos nossos olhos feitos aos comodismos da modernidade. Mas garantidamente não o foi. As viagens feitas pelos marinheiros do rio eram algo de heroico e hercúleo. A jornada era feita com o rio ainda revolto, enfurecido por se sentir preso, grosso das invernias, pelo que não fosse o destemor e a perícia dos homens metido s naquelas cascas de noz, o desastre era de acontecer a todo o instante.
Voltando à Regata que aqui me trouxe em viagem que não se pode prolongar muito mais por mor da vossa paciência e porque se atingiu o percurso recomendável, quanto a mim louvo-a porque encurta distâncias entre ambos os sectores da vitivinicultura, e porque é uma das poucas iniciativas nascidas de dentro da região para fora da região.
Depois e para me ir, nada me custa dizer que conseguir este evento deve ter sido como puxar-se um rabelo à sirga para que possa ser também marketing do melhor que há. Como se diz, uma imagem vale por mil palavras, e neste caso, imagens soberbas vão ser às carradas. Depois é potenciar e aproveitar a onda. A vela está desfraldada.