Manuel Igreja
A Régua e Agustina
Na voragem deste tempo, somos frequentemente levados a pensar que o que interessa é o que material e o que imediatamente se usufruiu com maior ou menor ostentação e com maior ou menor gozo. O parecer suplanta o ser, e o haver nem sempre corresponder ao dever.
Engano redondo por parte de quem neste pressuposto viva a espuma dos dias, pensa e afirma este vosso amigo quer não é nem quer parecer homem de muita sabedoria, mas que vai aprendendo com o que lhe fica do olhar que deita à vida sempre com a noção de que quem diz que sabe muito anda muito mal informado.
Desde a antiguidade, desde que sabe de si, o ser humano necessita e recorre a símbolos para se agarrar e para cimentar a realidade. Por isso, produz e cultiva sob diversas formas a Arte naquilo que é uma das poucas atitudes que o distingue das outras espécies no imenso condomínio que é o planeta azul chamado Terra.
Não me atrevendo a chamar como também minha a Literatura, nada me custa dizer que esta é das artes mais sublimes e libertadoras, pois permite incorporar e aludir a todas as outras, ultrapassando a barreira do tempo e do espaço em viagens ora de voragem, ora de placitudes temperadoras que colocam cada coisa no seu lugar.
Portugal sabe disso e por isso celebra os seus poetas e escritores, homens e mulheres com Literatura eterna, chão de uma identidade colectiva que nos distingue e nunca extingue o orgulho de ser português. Com a força que ganhamos ao lê-los revisitamos épocas e lugares revivendo as esquinas dos quotidianos de nossos avós.
A Régua tem a sorte de ter sido berço ou terra de bons pedaços de vida de alguns escritores, infelizmente não muito conhecidos, mas muito esquecidos devido a circunstâncias que nada terão a ver com a qualidade intrínseca da obra brotada, mas muito terão a ver com a tendência de se não deitar o olhar muito para além daquilo que a vista alcança.
Erros nossos, má fortuna, amor a certas coisas pouco ardente, diria eu surripiando um migalho o poeta dos nossos poetas. Estamos sempre e, no entanto, a tempo de reparar e de aprender de maneira a que pelo menos se não repitam erros e se aproveitem as novas ocasiões erguendo a chama da inteligência valorizando aquilo que podemos apodar como nosso.
Urge que tal se verifique com a eterna Agustina Bessa-Luís que partiu ficando entre nós. Enquanto escritora foi, ou antes, é, uma das maiores cantoras da Régua e do Douro, escrevendo sublimemente entre nós e sobre nós. Pela sua pena, a nossa região foi mais universal enquanto local sem paredes. Tornou-a mais celebrada e conhecida mercê do seu engenho e da sua arte.
A Régua deve, pois, sublimá-la, tornando-a ainda mais sua cidadã de corpo inteiro e pleno direito. Se a escritora nos relevou aquém e além-mar, nós devemos cuidar dela aqui e em todo o lugar, para que conste que somos agradecidos e que merecemos o olhar que nos deitou e as memórias de nós que eternizou.