Manuel Igreja
A Tugalidade no seu melhor
Todos gostamos muito de Portugal. Somos muito patriotas, quase cada um à sua maneira. Uns porque nos acham uma Nação divinamente protegida, porque na batalha de Ourique, Nosso Senhor Jesus Cristo ajudou D. Afonso Henriques a vencer o inimigo mouro, outros porque se orgulham e com razão de os portugueses terem dado novos mundos ao mundo, outros porque o melhor jogador da bola é português, enfim, e por aí além que o campo é curto.
Seja como for, apesar de tudo, não nos faltam motivos de orgulho pela Pátria que nos legaram e que nos cabe manter no rumo certo para na nossa vez a legarmos aos nossos filhos e netos. Coisa certa, é que visto de fora, Portugal quase de certeza que é motivo de admiração. Tem excelentes paisagens, boa comida, bom vinho, gente simpática e essencialmente calma e paz, algo hoje em dia tão necessário e a escassear.
Fim da Terra no continente Europeu e com o imenso mar pela frente, ao longo dos séculos lá foi indo cantando e rindo, no ora desenrasca aqui, ora desenrasca ali. Sempre nos faltou o saber planear, o agir com tempo e medida.
Apesar de fortemente agricultores, nunca aprendemos que antes se semeia e depois se colhe. Aviamo-nos, desviamos, colhemos a fruta ainda verde, abotoamo-nos e gastamos.
No nosso andar chegamos à segunda metade do século XX com mais de metade da população analfabeta, e com elites no sentido dos mais privilegiados, com mentes que eram tudo menos abertas.
Depois fizemos uma revolução primaveril e demos um salto. No entanto, falta-nos a sustentabilidade das coisas que é dada pela Educação, pelo Conhecimento e pela Cultura.
Não conseguimos estabelecer uma Classe Média, o motor de todas as sociedades como ensinam os especialistas da Economia, da Política e da Sociologia. No fundo, crescemos, mas não medramos por mingua de substrato na raiz. Só deitamos folha. Vistosa, mas mera verdura que reluz com as cores ao gosto de cada qual.
Tivemos a primeira grande oportunidade quando fomos senhores de metade do globo terrestre, mas deixamos que as riquezas fossem aproveitadas por outros mais objetivos e menos vaidosos.
Depois tivemos a segunda grande oportunidade quando por adesão à União Europeia recebemos dinheiro de extravasar a mais funda carteira, mas que em grande parte se esfumou sem deixar rasto a não ser o das autoestradas, porque por força das circunstâncias da democracia tivemos ao leme gente que nada teme, mas a quem sempre faltou grandiosidade e visão. Uns pacóvios.
Naquele tempo, pelos anos oitenta e noventa, os tugas sem subirem à gávea, desfraldaram as velas e gastaram. Derreteram milhões como se fossem tostões, e boa parte do efeito de transformação, foi pela água abaixo para mal dos nossos pecados e do nosso futuro como país mais justo e equilibrado.
Depois, ou antes agora, veio uma pandemia que tudo parou e tudo parecia ir mudar. Mas não mudou. Estamos exatamente na mesma para não dizer pior ou que para lá vamos.
A caminho já vêm muitos e muitos milhões como ajuda financeira. Será a nossa última oportunidade de afirmação como país sustentável e evoluído, mas já se notam os riscos de fugas no rego feito caudal de euros. Todos estão com os braços no ar para que lhe calhe a vez ou lhes chovam em cima muitos pingos do aguaceiro.
Portugal parece o Titanic a afundar-se enquanto a orquestra toca, para não dizer rufa, para se não ouvir o ruído. Perante o icebergue, os conquistadores das simpatias e das cruzes nos votos, dizem ter na mão picadores de gelo ou amigos diretos do homem que tem o saco onde eles se guardam.
Falam como se a distribuição do manancial vier a ser feita a bel-prazer e pelos lindos olhos e ninguém se indigna. Já começou a caça às notas de euro que voam e vão esvoaçar. De novo sem o devido planeamento, sem o devido discernimento, mas com muito contentamento.
É a Tugalidade no seu melhor. Depois, logo se há-de ver.