João Pedro Baptista

João Pedro Baptista

A verdade está em crise!

Nunca mentir foi tão fácil. Mentimos porque conhecemos a verdade e as suas consequências. Mentimos porque temos notoriamente a intenção de enganar ou manipular alguém para nosso proveito. As redes sociais tornaram possível que as mentiras se tornassem credíveis. Deixamos de punir a mentira e o mentiroso.

Acredito que o título deste artigo não surpreenda ninguém. Todos sabemos, de uma forma ou de outra, que a verdade se encontra em crise. Não sabem alguns, porém, da gravidade que este problema representa para a sociedade contemporânea. A partir da segunda metade do século XX, a verdade tornou-se numa ‘doutrina ideológica’ a seguir por todos. Os factos e as evidências científicas venciam qualquer batalha no campo da argumentação. As sociedades pós-modernas encararam a ciência e, por conseguinte, a verdade como o meio de evolução mais credível e justo, nomeadamente no que diz respeito na afirmação e valorização das instituições públicas e políticas. 

No entanto, a verdade – como elemento absoluto a seguir – deteriorou-se com a popularidade das redes sociais e da internet. O Facebook ou o Twitter têm promovido o desvanecimento da verdade como ordem máxima, promovendo a disseminação de notícias falsas e permitindo a criação de comunidades e grupos segregados que refutam e desconfiam de factos políticos e sociais e das mais variadas evidências científicas com base em argumentos que confirmam as suas ideologias políticas, religiosas ou partidárias. Estes grupos estão limitados a uma visão homogénea, deturpada por uma crença comum a todos os membros, eliminando qualquer opinião contrária. 

Nunca a verdade foi tão colocada em causa como atualmente. Os movimentos ‘negacionistas’ (sobre o coronavírus, as vacinas, as alterações climáticas...) crescem por todo o mundo devido, sobretudo, às ‘oportunidades’ das redes sociais. Por isso, nunca mentir foi tão fácil. Mentimos porque conhecemos a verdade e as suas consequências. Mentimos porque temos notoriamente a intenção de enganar ou manipular alguém para nosso proveito. As redes sociais tornaram possível que as mentiras se tornassem credíveis e que se disseminassem mais rapidamente que a verdade. 

As redes sociais normalizaram a mentira na sociedade, sobretudo no discurso político. Não mais punimos a mentira, nem o mentiroso. Isso levou ao crescimento da desconfiança nas instituições, à erosão dos pilares basilares da democracia e ao aumento do ceticismo sobre as ações dos nossos governantes. Mais ainda, esta insegurança e instabilidade social e política tornou a desinformação uma realidade, mas também numa arma política para os políticos populistas de extrema-direita, que tiram proveito de toda e qualquer fragilidade. Os populistas exploram, oportunamente, este ambiente caótico, em que a verdade não interessa mais, em que os políticos são todos uns corruptos e todos estão contra nós, o povo fragilizado e lutador. Vivemos numa era em que é normal difamar e odiar os adversários, em que quem não está connosco, está contra nós e de uma profunda intolerância às opiniões contrárias. Vivemos numa era em que se acusam e ridicularizam jornalistas e profissionais de saúde diariamente. Vivemos numa era em que o presidente da maior potência mundial pode difundir informações falsas e enganosas sobre uma eleição. Vivemos numa era em que o partido de extrema-direita portuguesa aposta em milícias digitais, de perfis falsos, para manipulação ideológica. 

No fim só resta constatar que a verdade está a morrer juntamente com a democracia...


Partilhar:

+ Crónicas