Manuel Igreja
A Vida
A vida é mais curta que cumprida, sempre se ouviu dizer. Coisa com qualquer pessoa concorda, de resto. Obviamente que existe também quem em dias que jamais haviam de nascer, isto não sinta, mas felizmente é a exceção à regra que sempre acontece.
Por mais longa que uma vida esteja a ser, o desejo de não partir ficando invisível ao olhar a cada dia se renova. Sabemos que viveremos enquanto se não diluírem os contornos das nossas faces e o brilho dos nossos olhos por entre os nevoeiros das memórias de quem nos quer bem, mas ficar ao jeito dos afagos que se dão e se recebem é bem melhor.
Mesmo ciente de que tudo começa a morrer no instante em que nasce porque cada dia que se adiciona à vida é menos um que falta para se viver, o que mais queremos é que os ponteiros que rendilham os novelos da vida nos relógios não toquem e não parem no segundo que nos é fatal.
Dizia um célebre músico dos meus anos de mais novo, que a vida é o que acontece enquanto fazemos planos. Vendo bem, é verdade. A vida vai-nos fazendo enquanto nós fazemos a nossa própria vida. Somos o resultado do que vamos fazendo com as experiências e com os ensinamentos, ao mesmo tempo que erguemos e levamos em frente e atá ao fim os dias que nos cabem.
Quantos são, não sabemos nunca. Só no fim e nem sempre uma vez que pode ser que na eternidade do segundo em que fechamos derradeiramente os olhos estejamos alheados de nós, sem visão para a ilha que fomos e que somos. Pode acontecer-nos a partida deixando a vida que levamos sem que a nossa lucidez nos fale do último adeus.
Mas a vida sendo coisa sublime entre as coisas sublimes não se esgota e não se verifica em exclusivo na condição humana, mesmo que esta, que é a nossa seja a mais completa segundo o nosso conhecimento, não sendo se calhar a mais complexa, pois ainda não falta saber muito para saber alguma coisa.
As plantas germinam, abrem e dão em flor. Os animais nascem, crescem e morrem como nós, somos todos feitos de átomos, mas consciência do que se é e de onde se está, até prova em contrário e a gente acredita em tudo, por meros acasos interligados, ou por vontade de alguém superior e insondável, ainda é possibilidade só nossa, da humanidade que nem sempre merece o privilégio.
A ânsia de viver, leva-nos à ganância. O gosto de viver, leva-nos à tolerância e à solidariedade. Ancestralmente para garantir o pão de cada dia, lutamos, roubamos e matamos. Em simultâneo podemos ser cruéis no campo de batalha e solidários com os que acabamos de tentar matar, mas não conhecemos. A cada instante o esplendor e a força da vida podem fazer com que uma pessoa se supere e se eleve.
Enquanto a vida nos decorre em viagens de ida e volta com todo tempo que tem e nos vai faltando, é vida é o que a gente faz dela simultaneamente estruturados com o que ela vai fazendo de nós. Os anos são mestres escultores que nos vão moldando com as ferramentas que lhes vamos disponibilizando.
Em todas as suas formas, a vida é sublime. Basta olhar os lírios do campo e as estrelas no céu escuro, para nos percebermos meros pontinhos coloridos na finitude da imensa amplitude das suas coisas que nos rodeiam. Resta-nos por isso simplesmente, viver. Ir vivendo.