Alexandre Parafita

Alexandre Parafita

A violência de género no interior rural

Reza uma lenda transmontana que a Virgem apareceu a uma camponesa na ramagem de um pereiro, em Sta Comba de Rossas, a confortá-la por todos os dias apanhar uma grande sova do marido, aconselhando-a a ter paciência pois teria a “justa” compensação no Céu. Mais tarde ele morreu, ela professou e, após morrer… ficou santa.

Assim diz a lenda. E as lendas são isso mesmo. Uma espécie de foral que as civilizações antigas legam aos vindouros, com seus modelos de vida, virtude, crenças religiosas, instituindo prémios de resignação, vulgarmente inspirados nas compensações obtidas pelos mártires da Igreja tornados santos após a morte. No caso de Rossas, o modelo é claramente o da resignação perante a violência conjugal, como espelho do exemplo de resignação desses mártires, recompensados após a morte. Um modelo que resiste nas mentalidades mais tradicionais, onde o conforto da oração ainda é refúgio para sublimar as agruras, incluindo a da violência conjugal, que hoje a sociedade combate e criminaliza, muito por força dos media e da vigilância de organismos e instituições que nos soam familiares pelas suas siglas (APAV, AMCV, UMAR…).

Mas será que esta vigilância está, igualmente, ativa no interior rural, onde há cenários dissimulados de violência de género? Uma estudante da UTAD, no seu mestrado em Serviço Social, sobre a eficácia das redes de apoio às vítimas de violência conjugal, concluiu que as estruturas de atendimento especializado estão apenas nos centros urbanos e no litoral, condição que é entrave às mulheres dos meios rurais e no interior do país, pois sentem-se abandonadas e isoladas, e por isso a maior parte “sujeita-se a continuar as relações afetivas marcadas por atos violentos”. E bem se sabe como aí vingam ainda as primitivas sentenças “Quem dá o pão, dá o pau” ou “Entre marido e mulher não metas a colher”.

in JN, 24-4-2019

 


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