Chrys Chrystello

Chrys Chrystello

Abril tem de ser todos os dias,

Crónica 248. Abril tem de ser todos os dias, 2019

 

25 de abril 1974 em Díli, Timor Português [1]- … Embora Timor não dispusesse de telex, desde o ano anterior dispunha já de contactos radiotelefónicos com o mundo exterior. Assim, quando a Revolução dos Cravos aconteceu em 25 de abril houve quem recebesse a notícia via telefone. Depois disso, era só uma questão de perder algum tempo agarrado aos rádios de ondas curtas …

Era hora de jantar e era Oficial (Ajudante) de Dia no Quartel-general. O idoso Oficial de Dia já estava há muito a olhar para o seu umbigo, depois da sua rodada habitual. Tony Belo, o operador da Telecom local, a Rádio Marconi, ligou a dizer que eu ia ter uma chamada telefónica uma hora depois. Chamei o condutor de serviço ligar o Jeep e passados quinze minutos estava em Díli, ansiosamente esperando ‘a chamada’. Pressinto tratar-se de algo muito importante, pois já havia anteriormente acordado com a família que só haveria telefonemas em caso de emergência. Já se sabia que toda a correspondência era sujeita a censura prévia e todas as chamadas eram gravadas pela PIDE e PIM.

Sem perder tempo, pedi ao condutor para passar por casa, onde comuniquei aos colegas de habitação (o cirurgião Carlos Prata Dias e o agrónomo António Proença de Oliveira da Repartição dos Serviços de Agricultura) o que ouvira. Pedi-lhes o máximo sigilo, liguei a rádio de ‘ondas curtas’ e regressei ao Q.G. onde anotei no relatório que nada havia a assinalar da ‘ronda’ pela cidade. Durante o resto da noite, escutei avidamente os noticiários da BBC, Rádio Austrália e toda uma série de emissoras (até ouvi a Rádio Paquistão, pela primeira vez).

Na manhã seguinte, o camarada Freitas, que me ia render pergunta se havia novidades de Portugal. Sem confiar em ninguém, respondi-lhe: “Nada, que esperavas?” Os dias que se seguem são caóticos, com toda a espécie de rumores a circular e um generalizado sentimento de incredulidade pelos acontecimentos. Quando as novas de que o Governador tinha mandado apreender a gravação e a versão impressa do seu discurso, a maior parte das pessoas convenceu-se de que a ‘Revolução dos Cravos’ não era já fruto da imaginação. Os dias passam, e o oportunismo camaleónico é avassalador: do dia para a noite todos são revolucionários….

"O golpe das Caldas a 16 de março de 1974

Sim. Em LKisboa disseram-lhe "Sim senhor, ele pode sair do país". Comecei a preparar a minha saída de Timor, prevista para 27 de bril. Veio o 25 de abril e, naquela mesma manhã, um militar português, Chrys Chrystello, que ainda está vivo, um daqueles oficiais anticonialistas, apareceu e deu-me um grande abraço. Aí ´e que acreditei que as coisas estavam a mudar Ramos Horta in In Expresso 28.11.2015

 

 RAMOS-HORTA RECORDA ASSIM O 25 de abril EM TIMOR [2]

 

O resto são apenas avisos que ocasionalmente lanço em poemas que não quero silenciados.

577. aviso à navegação, 25 abril 2013

aos saudosistas, salazarentos

e outros democratas

de geração instantânea

nascidos após o 25/4/74

 

25 de abril é uma data que respeito,

devolveu-me a liberdade de expressão

que não tinha ao nascer

nem no primeiro quartel de vida.

 

sou sonhador, poeta e utópico...

e só porque homens e mulheres

traíram e abusaram esse ideal

não vou deixar de acreditar nele...

na minha mente e nos meus atos

será abril sempre

 

****

646. enquanto dormias a nova escravatura chegou, nov 2013

nenhum de nós é livre

enquanto ao teu lado

                              houver fome

                   miséria

                   desemprego

hoje são os outros

amanhã serás tu

passaram 40 anos

nenhum de nós é livre

enquanto abril não se cumprir

 

***

 

704. 25 abril sempre, até quando, lomba da maia, 25.4.18

 

hoje não erguerei o meu cravo vermelho

pelo abril que imaginei

não há medicina para estas maleitas

há 44 anos que acredito

sem arrependimentos

hoje incréu interrogo

quem matou os sonhos antigos

 

para mim será abril sempre

na mente e nos desejos

da liberdade, igualdade, fraternidade

falta nascer o homem novo

a sociedade nova

o mundo remoçado

que dê vida a este desiderato

 

espero o renascer das utopias

neste outono de vida

um 25 de abril sempre

mas com poesia

 

***

574. soletras autonomia, 14 abr 2013

ilhas de névoas e gaze

de novelões e conteiras

do verde e do azul

ó gente de basalto

quem canta a tua gesta?

 

terras de maroiços

cais de rola-pipas

mar imenso abraseado

lacerado por vulcões

ilhas de bardos e músicos

            republicanos presidentes

            poetas, pintores e artistas

 anteros, nemésios e natálias

quem te liberta das grilhetas

                             do passado feudal

                             da escravatura da fé

                             do atavismo ancestral?

soletras autonomia

gaguejas liberdade

titubeias emancipação

com laivos de insubmissão

como a irmã galiza

cicias um 25 de abril

que tarda em chegar

 

****

573. fados e sambas, 5 abr 2013

ser ilhéu é um fado triste

entoado como um samba alegre

cantigas ao desafio

cantorias desgarradas

 

os corpos e as palavras

pintam realidades inesperadas

todos ficam todos partem

em dia de são vapor

tão longe sempre perto

em calafonas e canadás

 

ser ilhéu é um fado triste

entoado como um samba alegre

manta remendada de nove cores

tapete voador da saudade

sementes da memória

nas paredes do tempo

rasgando o silêncio

mundos mágicos sem chave

 

e eu ilhéu de abril

filho de muitas ilhas

choro este fado

 

***

627. (à poesia), moinhos, 16/8/2013

imagino a poesia

de cravo e bandeira na mão

gritando a plenos pulmões

que a liberdade é merecida

que a rua é dos poetas

que o 25 de abril não é de todos

mas será sempre para todos

mesmo para aqueles que o negam

 

imagino a poesia

de manifesto e megafone na mão

declamando a alforria

das conquistas irreversíveis

quando os esbirros vierem

feitos controladores do pensar

sei que ela estará lá

e abrirá o peito às balas

 

e o sangue que jorrar

será poema e arma

e o corpo desvanecido

será escudo e estandarte

para que a liberdade não morra

nem haja estertor do povo

com ela será 25 de abril sempre

 

que ninguém nos cala

e a voz dos poetas

troa mais que a da bala

 

Para o Diário dos Açores e Diário de Trás-os-Montes
Chrys Chrystello, Jornalista [MEEA/AJA (Australian Journalists' Association – Membro Honorário Vitalício nº 297713,) carteira profissional AU3804]

 


[1] In Timor-Leste o dossiê secreto 1973-1975, J. Chrys Chrystello, Ed. Contemporânea, Porto, 1999

[2] In Expresso 28.11.2015


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