Henrique Ferreira

Henrique Ferreira

Ainda a morte assistida: da ilegalidade da votação.

Ainda a morte assistida: da ilegalidade da votação na Assembleia da República e da ilegitimidade dos deputados nacionais para votarem algumas matérias como esta.

Os deputados à Assembleia da República deliberaram, no dia 29 de Maio de 2018, em sessão plenária expressamente convocada para o efeito, não despenalizar a eutanásia ou morte assistida. O resultado é a expressão da divisão dos cidadãos de Portugal relativamente ao assunto e foi equilibrado, no caso do projecto do PS: 110 votos a favor, 115 contra e 4 abstenções, estando um deputado ausente do Hemiciclo.

Levanto duas questões principais acerca da votação, não discutindo o mérito ou o demérito da deliberação: a questão da ilegalidade na forma da votação e a questão da ilegitimidade dos deputados para deliberarem sobre esta matéria.

Começo pela questão da ilegalidade na forma da votação. Com efeito, nos termos da nossa Constituição, artigo 151, nº 1, «As candidaturas (à AR) são apresentadas, nos termos da lei, pelos partidos políticos,isoladamente ou em coligação, podendo as listas integrar cidadãos não inscritos nos respetivos partidos.», o que quer dizer que o Deputado, individualmente, não representa qualquer eleitor. Não representando qualquer eleitor especificamente, a nível individual, não pode ser outorgado ao Deputado o direito de, individualmente, representar o eleitor. Logo, a AR não poderia ter deliberado a liberdade de voto porque o Deputado, individualmente, não representa ninguém. Isto é uma aberração mas é o que está no nº 1 do artigo 151 da nossa Constituição embora o artigo nº 155, nº 1, disponha que «os deputados exercem livremente o seu mandato*, disposição que, no entanto, impõe aos partidos uma orientação mas garante aos deputados uma actuação em desconformidade. 

Ora, não foi o caso porque PS e PSD demitiram-se, enquanto representantes designados do POVO, de expressar as respectivas posições sobre a eutanásia.

Nestes termos, as deliberações dos depuatdos à Assembleia da República, em liberdade de voto, são inconstitucionais e, por isso também, ilegais, excepto quando os partidos impõem um sentodo de orientação à votação e os deputados a infringem. A nossa democracia é, neste sentido, uma democracia usurpadora e autoritária.

Quanto à questão da ilegitimidade dos deputados para deliberarem sobre a eutanásia, ela deriva de cinco fontes: 1) da ilegitimidade de representação social individual dos deputados, já explicada; 2) da natureza dos actos a deliberar, uma matéria de consciência; 3) como tal, uma matéria de consciência deve ser dirimida pelos cidadãos todos e não só por uma pequeníssima parte deles; 4) da ausência de representação de todos os cidadãos no Parlamento quando colocados os deputados em votação individual pois que mais de 50% dos eleitores não estão representados por aqueles deputados uma vez que o número de votos daqueles eleitos nas eleições legislativas não atinge 50% dos eleitores; 5) trata-se de uma questão de ordem moral  na qual a AR deve submeter-se ao «soberano», o colégio do POVO.

Assim, espero que, da próxima vez, os senhores deputados usem o referendo para se deliberar sobre a presente matéria.

Já agora, digo que votarei não à eutanásia ou morte assistida porque ninguém tem o direito de interromper o maior dos direitos: a vida.

 


Partilhar:

+ Crónicas