Manuel Igreja

Manuel Igreja

Alta Tensão

ALTA TENSÃO

Naquele dia do mês de Novembro, no terreiro em frente ao Palácio, dezenas de milhares de polícias à paisana, protestam contra a forma como estão a ser tratados pelo poder governamental. Na escadaria, dezenas de colegas de profissão fardados e treinados para impedir e lidar com situações de desaguisados mesmo de cariz violento, posicionados em cordão, parecem prontos para evitar o tumulto e defender o edifício mais simbólico do regime democrático: o Parlamento.

A páginas tantas, começa a correria. Para aí uns mil dos manifestantes, deitam-se a correr escadas acima ameaçando entrar portas adentro para incomodar os eleitos entregues a aturados trabalhos de representação e de legislação. A força constituída pelos colegas que naquele momento estão do outro lado da barricada recua para o patamar mais junto da entrada principal. Por instantes parece que que as espadas se vão desembainhar, mas não. Tudo se resolve a bem. Nem os que fizeram de conta que queriam invadir, invadiram, nem os que tinham de agir para que a invasão acontecesse, tiveram de agir.

Passado o borburinho, ficou a dúvida. Os em protesto tinham mesmo a intenção de se apossar das galerias e do espaço interior, ou foi somente uma atitude simbólica como a querer dizer que se tal intencionassem, invadiam mesmo? Os da força de segurança sempre pronta para o que der e vir, carregariam mesmo sobre os comparsas, ou porque desejavam estar na sua posição, jamais usariam a força da técnica e a técnica da força que lhes é o ganha-pão uma vez que é essa a sua profissão e a sua missão?

Não se sabe. Certo, é que a partir disto nada vai ser como dantes no contexto das manifestações e no modo como se olha para quem sai à rua a dizer da sua indignação face a formas de poder autistas num exercício em que se não respeitam os anseios dos cidadãos, se espezinham as suas expectativas, e se cortam rentes as suas esperanças, no arrastar de uma situação em que minguam quer a esperança quer a confiança.

Na Europa em geral e particularmente em Portugal, o ar está carregado de tensão por causa da cegueira e do completo desnorte dos políticos que não fazem política, porque unicamente se preocupam em seguir os ditames dos que idolatram o dinheiro mas desprezam a condição dos homens. Bem se sabe que o estado das contas públicas e privadas está uma lástima. Também é certo que a dívida chegaria à lua caso se acamassem as moedas que obrigatoriamente se disponibilizam só para o pagamento dos juros, mas está mais que visto que assim, com as medidas que nos impõem e que nos impomos, nem em mil anos nos veremos aliviados da carga.

Isto, no modo de ver de alguns, que individualmente se sentem castigados e prejudicados pelo contributo exigido, num sentimento em que cresce a noção de injustiça e de ineficácia. Neste contexto as corporações reagem. Inquietam-se os militares e os magistrados, desassossegam-se os professores, desmotivam-se os médicos, abespinham-se as forças policiais, e desanima-se muitos e muitos profissionais. Só se aquietam os da posição porque é nela que estão, enquanto os que sabem que lá vão estar, se limitam a sussurrar protestos sem seguimento e sem cabimento que se veja.
Para uns, a coisa já bateu no fundo, e agora é só a subir. São os optimistas por convicção ou por situação. Para outros, o chão ainda é mais para baixo, ainda lá iremos dar, falta saber é se iremos conseguir içar-nos com propriedade e com dignidade. Os primeiros conseguem sentir algum amparo por parte do poder instituído, acreditam que o caminho é fiável, por isso defendem que se aquietem as hostes e se acalmem os cidadãos. Os segundos, sentem o chão a fugir-lhes, futuram o país em rumo de abismo, por isso tocam os sinos a rebate clamando por el-rei que nos acuda que nos matam a identidade e nos espezinham a pátria.

Outono adentro e com o Inverno à porta, campeia a confusão nas terras de Portugal, sítio de gente pobre até nos ricos, num tempo sem ideologia orientadora e sem referências aglutinadoras. Nada se sabe, a não ser que não se tem ideia do dia de amanhã, que surgirá num futuro que já não é o que era. Sobe pois então a tensão no ar. Resta-nos esperar e desejar que não vire tormenta naquilo que a ser, será o cabo dos trabalhos. A ver vamos.


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