Luis Ferreira
Altar Maior
Uma poeira tremenda gerada por um vento fortíssimo, atravessou o país contaminando as povoações, as terras, as casas e as gentes. Deixou nos lares a sujidade que a poeira normalmente deposita. Toldou o céu e as nuvens cinzentas escureceram ainda mais, quase impedindo o astro rei de iluminar as réstias ainda suscetíveis de receber os raios luminosos e quentes. Uma tempestade nunca antes vivida neste recanto luso, longe de tantas quezílias.
As mentes mais toldadas pela poeira levantada, agravaram a tempestade em oposição às que esperavam ser abençoadas pelos raios de sol a brilhar num céu azulínio, claro e limpo. De um lado e de outro esperaram que a tempestade passasse. Queriam contabilizar os estragos e os benefícios como tudo se resumisse simplesmente a números díspares. Mas não.
As Jornadas Mundiais da Juventude aconteceram aqui e com toda a grandeza que a juventude merece. Jovens de cento e cinquenta países conheceram Portugal e esperaram conhecer, estar, presenciar e escutar o que o Santo Padre tinha para dizer e para pedir. E ele disse e eles ouviram. Culturas diferentes, povos diferentes, religiões diferentes, aqui se juntaram para serem um só povo, em união plena, em comunhão, em liberdade e com esperança em dias melhores.
Mas a poeira levantada em torno da construção de palcos por onde esta juventude iria passar e por onde o Papa iria estar, quase enegrecia a luminosidade que se esperava em torno do acontecimento único prestes a acontecer. Os palcos não foram construídos porque o Papa vinha a Portugal. Já cá tinha estado. Eles foram construídos para um milhão de jovens poderem estar reunidos e ter no centro o seu líder religioso, o seu guia, o representante de Cristo. Não há palco algum que tenha este preço.
Foi maravilhoso assistir à multidão imensa que se juntou no Parque Eduardo VII para ver o Papa e assistir a todo o programa que os jovens ensaiaram para, pacificamente, exporem os seus problemas numa Via Sacra de 14 estações espetaculares. A imaginação, a inteligência, a delicadeza e a acutilância com que o fizeram, levaram a que muitas lágrimas corressem silenciosas nos rostos de muitos que ali permaneciam, incluindo o próprio Papa, numa introspeção absolutamente extraordinária. Nesse momento, o Palco grandioso, transformou-se em Palco do Mundo e foi maravilhoso ver a sua importância e, ao mesmo tempo, constatar o preço irrisório que custou. Oitocentos mil jovens reunidos ali, num local com significado novo e onde o Santo Padre iria estar para falar com eles, e falou, era quase impensável. Foi grandioso!
As mensagens que o Papa deixou aos jovens foram bem interiorizadas e todos eles as sabiam, pois eram pedidos que levariam para os seus países, para as suas paróquias, para as suas comunidades. União, fraternidade, humildade, paz, amor, portas abertas de uma igreja sem portas, foram palavras chave de várias preleções sábias de quem é conhecedor das fragilidades do mundo, de quem deposita muitas esperanças na juventude mundial.
Sendo Fátima o Altar do Mundo, não precisaria de outro palco, pois todos os que se construíssem ali, seriam sempre menores do que o que já existe. E foi esse palco térreo, onde a Virgem é Senhora, que recebeu também o Santo Padre e onde ele, uma vez mais pediu para que a guerra acabasse e a paz possa ser a nova lei dos homens. Esperamos que a Virgem lhe conceda esse pedido, pois será certamente o de todos os homens de boa vontade.
O ponto de maior tormenta foi o altar palco do parque Tejo. A grandiosidade que inicialmente tinha, cerca de 9 metros de altura, foi reduzida para metade, 4 metros, graças à poeira levantada, pois houve quem pensasse que poderia levantar voo com o vendaval que se estava a levantar. Talvez. Sobreveio a racionalidade e o consenso. Mas o espaço de cem hectares que acolheu cerca de um milhão de jovens em comunhão com o Santo Padre, merecia um Altar digno de tal evento. Mesmo reduzido a metade, ele ergueu-se, imponente, na aridez que antigamente subjazia, transformada em sala de visitas de todo o mundo. Este Altar Maior foi o grande palco que recebeu o representante de Deus na Terra e onde a juventude mundial o pôde ver, ouvir e com ele comungar na esperança de um Mundo melhor onde possa haver menos pobreza, mais igualdade, melhor justiça, mais liberdade e mais amor ao próximo.
Para os jovens de todo o Mundo, ali reunidos, todos estes pedidos só faziam sentido num Altar imenso, onde todos coubessem, onde todos fossem incluídos, onde todos fossem um só povo, o povo de Deus e de todos os homens.
Mas a tempestade ainda não passou e o vento ainda não acalmou completamente. O que vale é que as tempestades não duram muito. Passam rápido. Deixam estragos. Claro que sim. Mas isso significa que é preciso reconstruir. Fazer de novo. Façamos então um Mundo novo.