Manuel Igreja
Amar odiar
Os sinais estavam todos lá. No entanto, as pessoas que esconjuravam o que se podia adivinhar e se veio a concretizar, não quiserem vê-los. Nos Estados Unidos da América, para o bem e para o mal, o baluarte do mundo ocidental, no último século, o mafarrico, sob a forma de Donald Trump, ganhou folgadamente as eleições presidenciais e mais tudo o que havia para ganhar.
Coisas da Democracia inventada na Grécia, vai para dois mil e quinhentos anos, e que se foi aperfeiçoando até à modernidade. Continua e será sempre imperfeita, mas ainda se não inventou melhor, pelo menos no pensar daqueles que sabem que, acerca dos destinos de todos cada qual deve dar a sua opinião sem riscos de ser incomodado e molestado.
Para o senhor e seus apaniguados foi relativamente fácil. Sabiam e sabem que a maioria não está para elaborados pensamentos e, com muitos tormentos, sabiam o borralho da fogueira do medo estava à espera de um mero sopro para virar labareda, sabiam como passar a mensagem que num nada se esfuma, mas deixam odor e, exímios na manipulação e manipularam. Lá como por cá, de resto.
Limitaram-se a fazer repetir a História como farsa, pouco se importando que, como lhe é próprio, venha de novo a virar em tragédia. Basta que se folhei algumas páginas do livro até se ir dar à década de trinta do séculos passado, para facilmente se notar a similitude social e a semelhança da força da técnica utilizada para através da comunicação, se convencerem as multidões turvada pelas promessas de tempos de ouro por fazer acontecer.
Num tempo sem memória e sem que se saiba efetivamente o que sãos os terrenos inóspitos em que não medra a Democracia, porque se não teve nem tem o cuidado de os relembrar e de os ensinar, em crescendo os argumentos e os apelos para a sua defesa caiem em saco roto resvalando na carapaça da indiferença. Está a deixar de haver causas mobilizadoras no sentido do todo, porque a ânsia de garantir o pés firmes no chão de cada qual se sobrepõe a tudo.
A nobreza de sentimentos, o culto dos valores estruturantes como a ética, a honradez e a solidariedade que diferenciam inequivocamente os seres humanos dos outros seres vivos, estão a esmorecer e em risco de desaparecerem. A capacidade exclusiva de elevar e extrapolar para lá do básico e do eminentemente físico, está a mirrar que nem flor em descuidado jardim.
Eles, os de lá e dos de cá, os daqui e os dali, sabem disso. Os demagogos sabem e são espertos. São movidos a ganância e com espírito matador. Estão cientes que só lhes basta tocar as toadas convenientes e com as teclas certas. Encantam os tolos e calam os inteligentes inclusivamente aqueles que por conveniência se fingem de lerdos no labirinto dos interesses.
Obviamente diga-se que uns e outros pululam em toda a parte, sem fronteiras, nos alinhamentos e nas trincheiras escavadas para as batalhas das causas e das coisas que moldam pertença ou, efetivamente, os modos e as possibilidades de viver nos quotidianos de sonhos adiados, de desejos por cumprir, de bens por conquistar e de sossegos por viver e alcançar.
Infelizmente, num mundo com o diabo à solta e a caminhar para um futuro pela primeira vez sem os contornos apropriados à esperança, aqueles que usualmente alertavam para a imprescindível defesa de quem sofria e sofre de escassez do que é essencial e capaz de proporcionar dignidade no viver, entretém-se no trato de temas pouco ou nada essenciais no contexto dos tempos.
Os demagogos, em ambos os extremos que se tocam, aproveitam. Os de mais à direita estão a ganhar terreno. Os de mais à esquerda estão a extinguir-se por entre as brumas da causa das coisas que não conseguem identificar. Falham na comunicação e andam arredados dos anseios profundos do cidadãos que somos todos.
A esperança deixou de ser a última coisa a morrer e está a dar lugar ao ódio ao outro que não é tido como seu igual, por estar fora da identidade que vale. Quem manipula está ciente do contexto e sabe usar o pretexto.
Sabe que o ser humano ama odiar. Basta-lhes montar o circo.